- SAMANTA RIBEIRO DE ALMEIDA -
Vivemos um período em que a mídia e tecnologias estão cada vez mais acessíveis e presentes no cotidiano das crianças; os livros, por sua vez, vão sendo deixados de lado. Nesse contexto, para nós, educadores, fazer com que os pequenos tomem gosto pela leitura acaba se tornando um desafio, afinal, como competir com o celular? Como se mostrar mais interessante que um canal de Youtube? O que oferecer de mais atrativo que o jogo do tablet?
Há tempos me faço esses questionamentos e, na busca pela resposta a cada um deles, deparei-me com a contação de histórias. Quando, em um dia de aula comum, contei uma história aos meus alunos, vi como eles ficaram extasiados. Ao final de todas as aulas seguintes eles passaram a me pedir histórias. Fiquei pensando, então, na magia que elas possuem. Temos necessidade de história, filme conta uma história, algumas músicas contam histórias, a novela conta história, o livro conta história, como viver sem história? E por que essa necessidade?
As transformações que vivemos quando criança podem ser amenizadas e até curadas por meio de histórias. Nós não precisamos cometer todos os erros do mundo, as histórias estão aí para isso, para nos ensinar, fazer refletir e tomar atitudes; quando se ouve uma história, um ensinamento fica dentro de nós, e acredito que essa seja a sua função primordial.
Na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental a prática da contação de história instiga a imaginação, a criatividade, a oralidade, a produção escrita, incentiva o gosto pela leitura, contribui na formação da personalidade da criança envolvendo o aspecto social e o afetivo. Esta arte remonta à época do surgimento do homem há milhões de anos. Contar histórias faz parte de práticas da cultura humana que antecedem o desenvolvimento da escrita.
Os contos são temidos porque objetivam os fatos e as verdades que não podem ser expressos pela razão. A prática questiona os sentidos da vida, busca explicações para nossas inquietações, transmite valores, incentiva a imaginação a tal ponto que se torna difícil distinguir o que é real e o que se torna fictício, visto que as histórias são penetráveis e transbordam elementos reais. Até histórias totalmente fictícias são reais, pois transcendem algo que nosso imaginário precisa para sobreviver, que é imaginar, sonhar, acreditar em outra realidade.
Além de pertencer ao campo da educação, e à área das ciências humanas, é uma atividade comunicativa. Por meio dela, os homens repassam costumes, tradições e valores capazes de estimular a formação do cidadão. Se não bastasse, as histórias também abrangem nossas emoções. A história tem um papel significativo na contribuição com a tolerância e o senso de justiça social, podendo criar novos rumos, podendo ser eles bons ou ruins.
Joseph Campbell, importante mitólogo e escritor, em O herói de mil faces (1949) traz a teoria do “Monomito” ou “A jornada do herói”, que consiste em classificar o herói como alguém disposto a sacrificar suas necessidades em benefício dos outros; ao se sacrificar ele se torna sagrado, ele busca pela sua identidade e auto-aceitação. A jornada do herói se inicia com a separação de sua família, de sua comunidade ou de sua tribo; ao final, ele completa seu processo de transformação e autoconhecimento. Os heróis precisam ter qualidades com as quais possamos nos identificar e com as quais possamos nos reconhecer, por isso são impelidos por impulsos universais, como o desejo de ser amado e compreendido, de ter êxito, de sobreviver, de ser livre, etc. Para Campbell, este é um arquétipo em diversas culturas que descreve a transição da adolescência para a idade adulta, um ritual de passagem. Ele inclui uma fase de separação, transição, e incorporação, sendo a segunda dessas uma fase de transformação psicológica fundamental que deixa para trás a psique infantil. Assim, o herói retorna como adulto para enriquecer o mundo com suas descobertas. Os heróis, portanto, são símbolos da alma em transformação, da jornada rumo ao crescimento e a aprendizagem. Ou seja, o herói sou eu, você e todos os seres humanos que enfrentam a jornada da vida, que se mostra, basicamente, com os mesmos estágios para todos.
O herói, por conseguinte, é o homem ou mulher que conseguiu vencer suas limitações históricas pessoais e locais e alcançou formas normalmente válidas, humanas. As visões, idéias e inspirações dessas pessoas vêm diretamente das fontes primárias da vida e do pensamento humanos. Eis por que falam com eloquência, não da sociedade e da psique atuais, em estado de desintegração, mas da fonte inesgotável por intermédio da qual a sociedade renasce. O herói morreu como homem moderno; mas, como homem eterno — aperfeiçoado, não específico e universal —, renasceu.
Sua segunda e solene tarefa e façanha é, por conseguinte (como o declara Toynbee e como o indicam todas as mitologias da humanidade), retornar ao nosso meio, transfigurado, e ensinar a lição de vida renovada que aprendeu (CAMPBELL, 1949, p.13).
As histórias podem estar com uma nova roupagem, mas nunca deixarão de existir, o ser se nutre através das histórias, é ela que nos move.
Quanto mais avançamos vejo que o essencial é que esses valores não sejam perdidos, ouvir histórias, brincar na natureza, ter hábitos simples e saudáveis são valores que não devem ser perdidos, temos necessidade e nos formamos a partir deles.
Como diz Hannah Arendt “toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”.
Então, que a nossa história continue a ser escrita cheia de ensinamentos, morais, finais de ciclos felizes e tristes também, faz parte; que ela tenha sempre boas energias e esperança, sempre.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELTRAME, Lisaura Maria; CAVALHEIRO, Jéssica Vanessa; SBEGHEN, Marizane. “Contação de histórias: caminho de descobertas e compreensão do mundo”. Disponível em <https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/19638_9660.pdf> Acesso em 28 jun.2019.
CAMPBELL, Joseph. O heróis de mil faces. São Paulo: Editora Pensamentos, 1949.
SAMPAIO, Mariana; LIMA, Elieuza Aparecida. “Leitura e contação de histórias: um estudo sobre práticas educativas na educação infantil sob a perspectiva da teoria histórico-cultural”. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/xviiseminariodepesquisadoprogramadepos-graduacaoemeducacao/mariana_sampaio_leitura-e-contacao.pdf> Acesso em 28 jun.2019.
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