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A LEITURA FAZ PARTE DA BRINCADEIRA

- MAISA NOBRE LIMA PEREIRA VIANA -


Leitura




A leitura é um ato de representação e simbolização do mundo. A leitura nos proporciona construir um sentido próprio, nos ver, pensar e repensar o mundo. Lemos utilizando linguagem verbal através de palavras como também utilizamos linguagem não verbal, através de imagens, fotografias, obras de arte, música, entre outros. E é através da leitura que vamos nos relacionando com o mundo. Nos tornando seres sociais que dialogam, interagem, interrogam e questionam. Conforme afirma Paulo Freire:

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1989, p.9)


A experiência da leitura nos coloca no lugar do outro, (nos forma) contribui para nos formar cidadãos mais empáticos, pois nos confronta com a experiência do outro. Ler nos move e nos ensina, também nos atravessa e nos faz compreender o mundo.

É por meio da leitura que extraímos informações as transformando em conhecimento. O conhecimento nos permite fazer relações entre situações nos tornando cidadãos críticos, autônomos.

A leitura é parte do processo de comunicação cotidiana, que envolve interações e trocas sociais, fomentada em situações diversas expressas pela memória, cultura, tradições e contextos sociais.

É imprescindível lembrar que o leitor ressignifica o que lê, ou seja o mesmo texto lido pode trazer novos significados, enriquecendo a experiência leitora.

A leitura é um ato dialógico, de apropriação, plural, libertária, emancipatória, não deve ser imposta; é provocação e está sempre em construção.




A mediação de leitura



Precisamos conectar pessoas e textos, levando em consideração a participação efetiva e a história de vida do leitor. A mediação efetua essa ponte entre o mediador e o leitor, com o texto, a história e o ouvinte.

Jouve (2002) salienta que o “charme da leitura” advém das emoções. Leitores amam, admiram ou mesmo odeiam personagens das obras que leem, criando relações afetivas e pessoais (componente importante da leitura literária).

O desafio de mediar a leitura está na conectividade que o mediador faz entre a importância das formas de linguagens e seus leitores. O mediador é um facilitador da criação das relações afetivas. Ele traz simbologia ao texto onde o leitor confronta suas experiências pessoas, sua cultura, seus valores com o experimento da leitura. O mediador direciona os argumentos incentivando que o leitor argumente, discorde, concorde, questione e reflita. O mediador traz novas descobertas e novos contextos para a pratica leitora, de forma cognitiva. O mediador em sua prática auxilia a formar cidadãos críticos.

Ezequiel Theodoro da Silva ressalta que um leitor crítico adentra um texto desejando compreender as circunstâncias, as razões e os desafios sociais permitidos ou não por este texto (SILVA, 2002).

Além da ambiência, é necessário múltiplas vozes e narrativas. O papel da palavra, da voz e da leitura é fundamental para a criação de vínculos de afeto e de acolhimento.


A mediação de leitura pode ocorrer (de) em diversas ambiências, como bibliotecas, praças, museus, centros culturais, uma sala, nas varandas, parques. O importante é considerar um lugar que oportunize o ato da leitura de forma confortável e acessível, que gere aproximação e criação de laços. Com muita disponibilidade, generosidade, carinho, paciência, respeito, atenção, escuta, pode-se estimular a proximidade com os livros e a leitura. O ato da mediação de leitura é artístico, é humanitário, é poesia e é música também.

O mediador deve estar atento à leitura inclusiva tornando a experiência da mediação acessível à todos.

O que não se pode deixar de fazer é deixar de ler e construir vínculos de afeto e acolhimento.


A leitura na primeira infância


Até o século XVII, a infância não possuía uma identidade quanto às práticas sociais. Quem diz isso é o historiador francês, Philippe Ariès (1914-1984). Imagine, então, como seria esse tempo em que a vida da criança em quase nada diferia da do adulto, junto a quem partilhava seu dia a dia, desenvolvendo atividades de trabalho e de lazer. Esse quadro somente vai mudar com a invenção da família burguesa, que passou a cultivar o que Ariès define como “sentimento da infância”, uma espécie de “paparicação” decorrente do fato de que a criança, “por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e relaxamento para o adulto.” (Ariès, 1981, p. 158).

Atualmente as crianças ganharam cidadania, são reconhecidas como sujeitos de direitos e que possuem necessidades próprias. A criança é percebida por suas capacidades e potências.

Crianças são inteligentes e diversas, possuem uma capacidade de aprendizado desde muito pequenas. De 0 a 3 anos são construídas 90% das sinapses que farão partes do circuito permanente do cérebro. Relações de cuidado, afeto, acolhimento estão diretamente relacionados ao seu desenvolvimento psíquico.

A primeira infância, dos 0 aos 6 anos de idade, é cada vez mais reconhecida como uma das fases mais importantes da vida, pois traz a noção da descoberta, do aprendizado. É um período decisivo para o desenvolvimento integral e saudável da criança. Neste período a criança deve ser estimulada nas mais diversas formas de brincar, inclusive utilizando das mais diversas linguagens.

Antes mesmo de nascer as crianças já reconhecem estímulos geralmente emitidos pelos pais, como a voz. Daí a importância da voz que embala, que brinca, que canta. A partir desta voz a criança faz suas primeiras leituras do mundo.


Toda criança que nasce precisa ser apresentada ao mundo e uma forma de apresentarmos o mundo para as crianças é através das artes, da literatura, é através das brincadeiras com as palavras, através das cantigas, de imagens.

De acordo com María Emilia López, no livro “Um mundo aberto – Cultura e primeira infância”:

A primeira infância é a etapa da vida em que se aprende a simbolizar, e simbolizar é a base da experiência de pensamento. Sem brincar, sem cantar, sem ler ou ouvir histórias ficcionais é difícil enriquecer a capacidade de pensar. Que lugar conferimos à palavra lúdica e poética, à leitura e à presença dos livros na vida das crianças é uma questão sobre a capacidade de pensamento de uma sociedade, por sua habilidade para inventar e reverter o estado das coisas".

Ainda no mesmo livro Yolanda Reyes, estudiosa sobre leitura para os pequeninos, entende que, mais importante do que cercar a criança de livros, é a interação mãe-filho no processo da iniciação ao mundo da literatura.



Segundo ela:

“Tudo começa pela audição. Depois vão surgindo outras maneiras de ler e de interagir com as palavras. (...) Em seguida, esse bebê já pode sentar e olhar algo além do rosto dos adultos. A página do livro nasce diante de seus olhos. Ele, então, interage com a mancha de texto, com as ilustrações, com o papel. É quando surge o que chamo de triângulo amoroso. A criança está sentada no colo de alguém que ama, posicionada entre o livro e o corpo desse adulto. O bebê enxerga o livro, mas a leitura é guiada pela voz do outro. Pelo mesmo som que ele já conhece. É um outro momento. Pouco a pouco, surgem mais palavras, mais imagens e a narrativa caminha cada vez para mais longe”.



As crianças precisam de muitas histórias, pois é esta a via de enfrentamento do mundo, a via de tratar os conflitos internos já que a maturidade em decifrar seus sentimentos ainda está em formação.

É neste sentido que a criança sente a necessidade de ouvir a mesma história repetidas vezes, pois existe a possibilidade de estar maturando/decifrando alguma angústia, algum conflito. Assim é necessário investir na mediação da leitura com muita generosidade, afeto e paciência.

Um mediador não deve questionar o entendimento da criança com texto mediado. A leitura não deve ser um exercício de avaliação. Cada criança tem seu tempo e sua maturação. A leitura deve ser entendida como um brincar, sem cobranças, sem instrumentalização, sem avaliações. Deve ser leve, fruída, sensível, divertida e libertária.

Não há temas-tabus nos livros, a seleção vai depender do bom senso do mediador em argumentar e explorar as questões apresentadas nos livros. Livros não têm faixa etária, um bom livro pode ser apropriado por qualquer leitor. Optar pelos livros clássicos sempre enriquece o imaginário do leitor.

Devemos ler para uma criança para fortalecer o vínculo entre adulto e criança. Desenvolver concentração, a memória, o raciocínio, a atenção e o vocabulário. Estimular a criatividade, a imaginação, a curiosidade. Aprender a lidar com os sentimentos e emoções. A conhecer mais as pessoas e o mundo. Trabalhar a escuta e o tempo, auxiliando no desenvolvimento da capacidade de colocar-se no lugar do outro. Desenvolver responsabilidades, amabilidade e minimizar problemas comportamentais. Desenvolver a linguagem oral.


O brincar através de leitura



A literatura, jogos de mão, jogos corporais, as cantigas de ninar, as cantigas de roda e diversas brincadeiras, são ferramentas para articular melhor as ideias e, relacionadas à primeira infância, dão suporte à criança nas diversas relações de convívio social e respostas para os conflitos mais subjetivos.

Assim entendemos que as palavras são os primeiros objetos do brincar.


As parlendas, as quadrinhas, a poesia, trava-línguas são as primeiras formas apresentadas às crianças vide a melodia, a sonoridade que carregam.

A oferta de livros-brinquedo também é vasta e aguça a curiosidade das crianças. Há livros de material resistente à agua, para que a leitura acompanhe um bom banho. Há livros-travesseiro, daí a leitura acompanhará o sono. Livros com dispositivos sonoros que reproduzem os sons da natureza, dos animais.

Falando da fragilidade de seus livros, em entrevista à Revista Emília, o grande autor e ilustrador japonês Katsumi Komagata afirma:

"Faço livros sensíveis porque sempre quis mostrar para minha filha que as coisas são finitas. No geral, as pessoas tentam dar as coisas mais duráveis para as crianças brincarem. Óbvio que se for muito sensível, não vai ser útil. No entanto, é importante que as crianças aprendam que as coisas quebram e se destroem e que nós temos de aprender a cuidar delas com delicadeza. Se uma página é rasgada por uma criança, dá para consertar usando fita adesiva ou cola. E assim a criança vai aprender que precisa ter mais cuidado se não quiser estragar aquilo. Com pessoas também é assim. Somos sensíveis e nos machucamos, então precisamos saber nos comunicar e entender um ao outro".

Gostar de ler está relacionado ao brincar com os sons, com as palavras, com as imagens, com as texturas, com as mais diversas possibilidades de se apropriar da leitura.

A leitura pode ser uma aventura, uma distração, uma descoberta e pode ser sobretudo sensível.

Leia para uma criança.


Referências

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução Dora Flaskman. 2. ed. Rio de Janeiro: LCT, 2012.

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.

LÓPEZ, María Emília. “A emancipação dos bebês leitores.” In: Caderno Emília nº 1. 10 de maio de 2018

LOPEZ, Maria Emília. Um mundo aberto: Cultura e primeira infância. São Paulo: Selo Emília, 2016.

JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2002.


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