- Mayla Letícia Monteiro Ferreira -
De modo geral o brincar é bastante estudado por profissionais das áreas da educação, saúde, sociologia, entre outras; tendo um importante viés na defesa do brincar como um direito essencial da criança. Se observa, pensa e organiza ideias para reforçar quais benefícios, aprendizagens e sinapses acontecem enquanto a criança, despretensiosamente, brinca.
Muitos outros caminhos de pesquisa também se enveredam para a qualidade do brincar, como o adulto oferece suporte sem que a criança perca a autonomia; assim como as transformações das brincadeiras, as transições do brincar com o crescimento e a mudança das cidades. Nessas proposições os benefícios encontrados são relacionados diretamente à qualidade de vida dos pequenos. Então, o que acontece ao adulto quando se propõe entrar em contato com as próprias memórias do brincar?; Como estas lembranças, por vezes tão distantes, atuam sobre o presente? A memória do brincar do adulto beneficia apenas à criança? Quais são os processos que se reconstituem quando há abertura para as memórias de felicidade ou de desafios do período em que brincar era a premissa? Intencionada a entrar em contato com as questões postas – remexer memórias, a pesquisa propõe a interação com outras pessoas que se disponham dividir suas lembranças e emoções. Borrar fronteiras entre passado e presente, compartilhando grãos do impacto que a memória do brincar possui na constituição do adulto.
A proposta não anseia se tornar mensurável, mas destacar, se existirem, trechos onde os próprios entrevistados apresentem a intersecção entre o gesto da criança perpassando para a ação do adulto. De formulação simples, colocamos duas questões:
1. Quais brincadeiras você fazia na infância?
2. Em algum momento em sua vida você se esqueceu de que já havia brincado dessas formas?
- Se sim; como foi retomar essas lembranças?;
- Se não; de que forma isso se manteve ligado contigo?
Experiências pessoais
As pessoas serão apresentadas com as iniciais de seus nomes reais e a idade que possuíam no dia em que foram entrevistadas, seu sexo de nascimento, assim como a cidade que passaram a infância. Em tempos de pandemia, as conversas se deram através de aplicativos de trocas de mensagens e redes sociais.
J.S., 36 anos, feminino. Quilombo Bom Jesus dos Pretos, Cândido Mendes/MA
1. Pedrinha (três marias); taco; caiu no poço; boi bumbá; jogar bola; subir em árvere; cobra cega; corre trás de bicho.
2. Sim, fui retomando essas memórias a partir de 2010, que foi quando eu entendi que eu era uma mulher negra. Então eu passei a partir desse momento resgatar essas memórias. E pesquisar, e retornar pro meu passado, conversar com os meus avós, conversar mais com os mais velhos da minha família. E também o resgate ancestral consciente. Eu nunca esqueci essas brincadeiras, (...) eu só deixei de vivenciar essas brincadeiras a partir do momento da migração. Então era preciso eu me readaptar e viver outra realidade, readaptar em periferia de São Paulo. Viver da maneira que se brincava, com os costumes desse lugar novo, porque as minhas memórias, os meus costumes, as minhas maneiras de brincar já não tinham mais espaço, porque eu vivia numa região rural, de mata, Amazônia. Outra realidade que permitia viver brincadeiras de maneiras diferentes, migrei para a periferia de São Paulo, pra viver num apartamento com dois quartos, ruas com carros, e outra maneiras de viver. Me adaptar ao barulho da cidade, a maneira como as pessoas viviam suas vidas e eu fui viver essas brincadeiras locais, a partir dessa minha data. (veio para São Paulo com 11 anos de idade).
A.C., 32 anos, feminino. Ventania, Castro e Guarapuava/PR.
1. Brincava de fazendinha, usava laranja e outras frutas que davam nas árvores que tínhamos e colocava palito de fósforo pra fazer as pernas. As raízes das árvores a gente limpava e viravam cercados para os animais que fazíamos com as frutas. Eu também brincava de andar, andar mesmo... estilo aventura, nessas eu pensava/imaginava coisas que me distraíam, também cantava. Mas o que mais eu gostava de fazer era de macetar coquinho, passava horas “catando coquinho “ e depois eu levava embaixo das jabuticabeiras, tínhamos 7, e lá tinha uma pedra bem grande que parecia um banco e eu sentava no chão e ficava lá pensando e conversando sozinha. Pra mim era uma espécie de brincadeira, coisa de criança. Fora isso, gostava de subir em árvores e de colecionar as pedras que eu achava.
2. Sempre lembrei. Sempre esteve em tudo que eu faço porque eu pensava demais, eu praticamente criava tudo na minha cabeça e isso se manteve comigo todo o tempo. Até as músicas que eu ouvia e gostava, muitas eu ainda canto e ouço.
M.V., 40 anos, feminino. Presidente Prudente/SP.
1. Subia em árvores, fazia desenhos com pedras no asfalto, transformava objetos em brinquedos, corda, queimada, esconde-esconde, pega-pega, colecionava papel de carta, brincava de casinha, escolinha, teatro....(São muitas coisas).
2. Não esqueci, minha infância foi muito marcante pra mim. Eu era uma criança solta na rua. Agora com minha filha, estamos resgatando algumas e criando novas brincadeiras.
M.O., 66 anos, feminino. São Paulo/SP.
1. Comidinha; casinha.
2. Até hoje gosto de cozinhar, passando horas na cozinha.
P.F., 27 anos, feminino. Pedra do Anta/MG.
1. Brincava de casinha; Pega-bandeira; Esconde-esconde; Polícia e ladrão.
2. Sim, tive uma sensação muito boa. Como se o brilho da infância voltasse a fazer parte de mim. Fiquei feliz em relembrar este sabor de leveza de não ter que se preocupar tanto com os problemas. Foi bem interessante fazer essa revisitação.
B.B., 25 anos, feminino. Curitiba/PR.
1. Pega-pega; esconde-esconde; pular elástico; pular corda; jogar taco/bets; carrinho de rolimã; brincar de casinha, de escola, de loja/livraria/mercado; jogar videogame; pintar.
2. Nunca. Sempre me lembro das brincadeiras e/ou outras atividades recreativas que fiz, por ter sido uma época muito divertida e que aproveitava intensamente aqueles momentos. Quando tenho oportunidade, aliás, tento trazer ou ressignificar algumas delas para os dias e as crianças de hoje.
B.C., 30 anos, feminino. São Paulo/SP.
1. Muitas! Brincava de casinha, de escolinha, de Pipa, de carrinho de rolimã, de queimada, esconde-esconde, bexiga d’água, elefante colorido, bolinha de gude, dança, escorregar no quinta molhado (água e sabão), escorregar no escorregador improvisado (escada do sobrado e o colchão), Barbie tb, rouba bandeira...
2. Acho que já aconteceu, mas por trabalhar com criança, costumo sempre comparar os tempos. Como era o meu brincar e o deles atualmente. Mas sempre é bom recordar. Foi uma fase muito feliz, mágica, com muitos machucados, mas muitas risadas e lembranças boas. Tenho certeza que aprendi muito nessa época. Meus avós e pais sempre preservaram muito em nós (minhas irmã e eu) o valor do brincar. Sempre! Então acredito ter vivido efetivamente essa fase. Me lembro de brincar por muito tempo, até uns 16 anos eu ainda tinha meu momento de brincar (mesmo já tendo novas responsabilidades).
T.N., 36 anos, feminino. São Paulo/SP.
1. Taco; elefante colorido; esconde-esconde; duro ou mole; queimada; brincava muito na lama; subia em goiabeira; Perto da minha casa tinha também “rua de lazer” - a prefeitura fechava todo domingo.
2. Na correria do dia a dia a gente nunca lembra. A rua de lazer quase não lembrava mesmo. Adoro retomar essas lembranças de uma infância mais livre e com muita criança junta, por meio de fotos impressas, lembranças, conversas com primos.
V.R., 31 anos, feminino. Rio de Janeiro/RJ.
1. Pular corda; pular elástico; montar Lego; subir em árvores pra fazer aventuras (tinha uma no quintal de casa e no Rio há muitas pracinhas com arborização antiga); pegar jacaré (surfar sem prancha, usando o próprio corpo); brincar de escolinha e comidinhas; brincar de Mangueira (fingir ser o desfile da escola de samba no quintal inventando tema e fantasia).
2. Não, porque foram brincadeiras muito presentes e constantes. Lembro delas quando falo da minha infância com o meu marido ou com meus primos que participaram de quase todas, algumas eu ainda faço com meu sobrinho e ainda subo em árvores e pulo corda mesmo sozinha. Tenho planos antigos de comprar um Lego, mas descobri só adulta que é um brinquedo muito caro. Nossa! Eu fico emotiva e saudosa de falar da infância. Foi muito, muito boa! Não é categorizado como brincadeira, mas eu trouxe totalmente pra vida adulta o gosto de montar árvore de Natal e decorar a casa pro aniversariante porque a família fazia isso junto.
D.D., 33 anos, feminino. São Paulo/SP.
1. Guerra de Bexiga de água; Bets; Jogos de tabuleiro.
2. Esqueci quando comecei a trabalhar. Me sinto saudosista, com vontade de brincar de novo.
E.M., 68 anos, masculino. Campinas e Santos/SP
1. Carrinho; patinete; cachorros.
2. Não esqueci, tenho essa ligação pelas coisas que gosto até hoje com carros, animais.
W.M., 38 anos, masculino. Osasco e São Paulo/SP.
1. Eu brincava muito de pega-pega, ajuda-ajuda, esconde-esconde, rouba bandeira, passa anel, super trunfo, vídeo game, pipa, bicicleta, jogo de futebol, skates, patins.
2. Acho impossível esquecer algo que trazia tanta alegria! E sempre tem as principais, as top 10. A número 1 era pipa, a 2 rouba bandeira, etc. E traz muitas recordações de amigos de infância, família e irmão... coisas que a geração de hoje nunca saberá.
D.B., 40 anos, masculino. São Paulo/SP.
1. Brincava muito de bola, esconde esconde, brincava com brinquedos bonecos e carrinhos. Dos meus 8 até os 14 só brincava na rua, morava em vila. De dia descíamos as ruas de carrinho de rolimã.
2. Sempre lembro das brincadeiras da minha infância, toda vez que vejo crianças de hoje no celular fico pensando “nossa, nessa idade eu estava brincando na rua com amigos!”. Me lembrei aqui agora, quando eu morava em Carapicuíba foi onde mais brincávamos na rua, ficávamos até tarde brincando de esconde-esconde. Felicidade, nostalgia pensar que hoje isso é muito mais difícil.
L.S., 28 anos, masculino. Santos/SP.
1. Por ser uma cidade pequena e os amigos facilmente se encontravam, as brincadeiras da minha infância sempre foram as coletivas. Apesar de ser um pouco nerd e me entreter no videogame, brincava muito de pega-pega, esconde-esconde, ping-pong, taco, queimada, futebol, polícia e ladrão e por aí vai.
2. Essa é uma lembrança que dificilmente eu esqueço. Depois as brincadeiras amadureceram junto com a gente, sempre estive bem próximo dos meu amigos (...) aqui em sp é o mais faz falta no dia a dia”.
C.B., 28 anos, masculino. Pelotas/RS.
1. Eu diria que passei por quase todas brincadeiras de criança em grupo: Pega-pega; Esconde-esconde; Caçador (com bola e na quadra); Cabra-cega; Lobo mau na floresta (aquela que canta "vamos passar na floresta enquanto Seu Lobo não vem”); Ovo podre (aquela que canta "ovo podre, está fedendo! Aonde eu coloco?”); Passa o anel (...); Telefone sem fio; Brincadeiras de ciranda diversas; Pular corda.
2. Não, eu lembro de todas as brincadeiras. Nenhuma me fez pensar "nossa, eu brincava disso?". Eu tive uma infância muito boa, sempre em contato com outras crianças desde o período de creche até depois de ser uma criança maior, brincando na rua do bairro com outras crianças também. Eu lembro de ser o auge da minha inocência e eu aproveitava muito isso, ria bastante, corria bastante, sempre estive no meio de muitas outras crianças, e eu não lembro de haver preocupação alguma nesses momentos ou durante minha infância. Eu acho que isso é que fez estas lembranças ficarem marcadas. Foi um momento muito feliz.
H.B., 32 anos, masculino. Brasília/DF.
1. Brincadeiras de chão: Pique-esconde; pique-pega; amarelinha; rouba bandeira; queimada; passa anel; pular elástico. Jogos de tabuleiro. Videogame. Joguei futebol praticamente todos os dias na infância. Joguei vôlei, bola de gude, bater figurinha (bater bafo). Jogava pião. Brincava muito de bonecos e carrinhos de ferro, construía autódromos e casas com materiais que encontrava.
2. Lembrando agora, bateu uma sensação bacana, porque as brincadeiras me remetem as pessoas que brincavam comigo, e é gostoso lembrar. Lembrar de tanta gente que eu adorava, e tem gente que até hoje está ao meu lado brincando de alguma forma, fiquei meio saudosista... eu tive quase que uma lembrança física, da sensação de estar nos lugares, por ex. os lugares onde me escondia no pique-esconde. Brinquei muito nessa vida. E tinham muitas fases né?! Muitas infâncias, idades, etc. É legal pq eu lembrei de várias fases, locais, momentos. Na escola eram outras coisas diferentes, né?! E no condomínio, mais outras. Uma coisa que achei muito legal foi que mesmo até os 14/15 anos nunca teve separação de sexos. Brincava todo mundo junto. Queimada, vôlei (3 cortes). Não existia aquela coisa de brincadeira de meninos e brincadeira de meninas.
J.R., 29 anos, masculino. Taubaté/SP. 1. Brincava muito de Taco, pique lata, esconde-esconde, pula corda, queimada, amarelinha, jogo do copo. 2. Eu nunca me esqueci dessas brincadeiras. De vez em quando sempre me lembro de quando chegava em casa com a roupa toda suja de barro, com o dedão do pé esfolado porque havia chutado o asfalto. Tudo isso me ajudou a ser muito forte, a ser muito feliz e hoje olho para trás e vejo que tive uma ótima infância.
A.B., 23 anos, masculino. Campo Limpo Paulista/SP.
1. Futebol na rua, pipa, polícia e ladrão, esconde-esconde, andar de bike.
Nunca brinquei, tive uma infância solitário em fazenda, quando brincava era sozinha, não me socializar na infância.