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A PRESENÇA DE UM IRMÃO COM DEFICIÊNCIA NO SISTEMA FAMILIAR

Mina Regen


Quando se pensa as possíveis interferências que se pode ter no sistema do brincar da criança é preciso olhar para a família, como ela se compõe, e como ela desencadeia processos. A família constitui um sistema em que as inter-relações são constantes e profundas e a notícia de que um de seus membros possui uma deficiência muda, permanentemente, a vida de todos os que a compõem. É preciso rever sonhos e expectativas, lidar com frustrações e tristezas e encontrar forças e formas de fazer face a novas situações e problemas diferentes. No momento da notícia, os sentimentos são os mais confusos possíveis e as reações, bem como o processo de compreensão e adaptação à nova realidade, variam de família a família.

Embora em todos os lares ocorram períodos críticos de transição, que em geral causam tensões (nascimento de mais um filho, entrada na escola, mudança de casa, de emprego, doenças etc.), naquele onde exista uma criança com deficiência a tensão, nesses períodos, pode se tornar bastante aguda.

Embora sentimentos de ciúmes e de rivalidade sejam comuns em qualquer família, quando estes e outros sentimentos são reprimidos, permanecem sem solução, podem provocar sérios distúrbios de personalidade e prejudicar gravemente o relacionamento com aquele irmão diferente que, talvez algum dia, necessite o apoio e o afeto de sua irmandade.

E quando o assunto vira tabu e não é conversado de modo claro e aberto, quando os pais não envolvem os outros filhos na vã tentativa de poupá-los, estes podem experimentar uma enorme variedade de sentimentos em relação a esse irmão, a si mesmo, aos pais, a toda a família e a outras pessoas.

Seguem alguns dos sentimentos mais frequentes relatados por irmãos de crianças com deficiência nos Grupos de Irmãos, que foram iniciados em 1986 no Setor de Estimulação Precoce da APAE/SP.

RAIVA – Este é um sentimento forte, frequente entre irmãos, principalmente quanto brigam por alguma coisa. Ele faz parte de nossa vida, mas dependendo da forma pela qual damos vazão à raiva, (por ex. batendo, xingando) ela pode suscitar culpa. Mas o guardar a raiva para si também é prejudicial e o outro nem fica sabendo o quanto nos está fazendo sofrer. O ideal é soltar a raiva de forma que o outro entenda o que fez de errado e tenha a chance de se desculpar. Utilizar frases simples iniciadas com a palavra “eu” ajuda bastante. Por ex.: Eu estou com muita raiva porque você rasgou o meu livro. Não faça isso outra vez!

CULPA – É um sentimento terrível que geralmente temos quando alguém, ou nós mesmos, acusamo-nos por haver feito algo que considerado errado. Quando reprimida, pode causar sérios distúrbios de personalidade. Quando conseguimos falar sobre ela, a culpa, embora dolorosa, pode ser útil ajudando-nos a pensar melhor antes de agirmos.

VERGONHA – Sentimento bastante comum quando a criança com deficiência apresenta comportamentos socialmente inadequados em público ou possui aparência muito diferente. Em relação aos comportamentos, conversar sobre isso com os pais e buscar orientação quanto a melhor forma de evitá-los. No que diz respeito à aparência, é importante lembrar que todos nós somos diferentes e isto torna o mundo muito mais interessante. Que tal esquecer da aparência e lembrar das coisas boas que ele tem a oferecer? Caso isso seja muito difícil no momento, que tal dar-se um tempo ou procurar falar com alguém a respeito.


TRISTEZA – Geralmente a tristeza é provocada por situações de perda e os irmãos relataram sentir o fato de não poderem compartilhar brincadeiras, segredos, determinadas situações ou pedir apoio ou conselhos em alguns casos. É importante substituir seus sonhos e anseios em relação a esse irmão, tal como os pais fizeram e, caso não consigam, devem solicitar ajuda de um profissional.

CIÚME – É normal o sentimento de ciúme entre irmãos, mas quando a criança com deficiência requer maiores cuidados no atendimento a suas necessidades, esse sentimento pode ser exacerbado, pois os outros filhos podem se sentir negligenciados, ou em segundo plano. Nesses casos podem começar a apresentar distúrbios de comportamento, na tentativa de chamar a atenção dos pais. Caso estes não se mostrem sensíveis a esses sinais, a dinâmica familiar pode ficar altamente alterada. Por isso é importante que os pais atentem para o que está ocorrendo e conversem com os filhos, passando a melhor distribuir sua atenção e afeto; ou então que os filhos, desde que estejam em condições, demonstrem claramente o que estão sentindo.

INVEJA – Trata-se de um sentimento bastante pesado, que gera muita culpa e geralmente vem acompanhado da vontade de “destruir o outro”. É mais frequente em pessoas inseguras e/ou ambiciosas, que não se satisfazem com o que são ou têm e sofrem com isso. Nesses casos é importante que a pessoa procure ajuda, no sentido de se conhecer melhor, ganhar mais confiança em si e superar essa necessidade de destruir aqueles que se sobressaem por qualquer motivo.


SOLIDÃO – Sentir solidão é sentimento provocado por isolamento, principalmente social e este costuma ser bastante frequente em famílias de pessoas com deficiência. Os irmãos sentem-se diferentes de seus amigos e não acreditam que eles possam entender e compartilhar de suas experiências, quer sejam elas positivas ou negativas.

NEGAÇÃO – Trata-se de atitude que encobre a não aceitação da deficiência, ou seja, a pessoa se recusa a enxergar a realidade, fantasiando ou fingindo que ela não existe. Em geral ela está muito ligada à vergonha, sendo importante que os irmãos conversem sobre isso com os pais ou procurem um profissional que possa auxiliá-los a enxergar os aspectos positivos desse irmão, encarando de frente essa situação.

PRESSÃO – Alguns irmãos sentem-se pressionados pelos pais, no sentido de compensá-los pelo desapontamento que a deficiência do irmão lhes causou, ou por colocar sobre eles uma responsabilidade acima do que seria o normal num relacionamento entre irmãos.

Também sentimentos positivos foram relatados nas reuniões, como:


ORGULHO – É frequente que os irmãos tenham esse sentimento em relação aos progressos obtidos pela criança com deficiência, por menores que sejam, pois sabem, pela convivência diária, quanto esforço isso lhe custou.

SOLIDARIEDADE – Em geral, quando o ambiente no lar é permeado de afeto e apoio mútuo, a solidariedade para com esse irmão diferente é um sentimento que aparece com bastante frequência e em idades mais precoces. Este sentimento é, geralmente, generalizado a outros grupos em que os irmãos participam.

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