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Ah o Brincar...

- Camila Sousa -



Filtro Solar



Sabe aquele áudio que foi sucesso no início dos anos 2000, narrado pelo Pedro Bial, cuja mensagem mais importante, entre (dentro de todas) outras que vieram logo em seguida, era " Use filtro solar" e que juntando todo o contexto se transformou numa clara mensagem que dizia assim " Cuide-se”; então, quando comecei a escrever o texto, essa passagem não saía da minha cabeça. Assim como descobriram anos atrás a importância do filtro solar e isso tem sido usado como recurso para prevenção de doenças, o Brincar é o filtro para prevenção de males tão nocivos quando o câncer ou qualquer outra moléstia. Se eu pudesse e sei que posso dar um único conselho para a geração atual e também às futuras é: Brinquem!

Mesmo que não tenham nada além do próprio quarto, pois os benefícios a longo prazo estão comprovados cientificamente e tudo que eu disser daqui para frente são vivências e reflexos do que sou hoje, com uma pitada de devaneios.

Hoje, mais do que nunca, eu consigo compreender a importância do brincar como ferramenta de desenvolvimento humano e isso tudo graças ao curso de Agentes do Brincar, da IPA e sua proposta de disseminar esse bem tão precioso nesse mundo “moderno” e cada vez mais tecnológico.

Muitas vezes no decorrer da minha vida como professora de educação infantil pude perceber a marginalização do brincar; frases do tipo “Você é professora de criancinha, só brinca”, como se o brincar não fosse algo importante. O brincar não é “só isso”, ele é “tudo isso” e mais um pouco, mas até então, eu não tinha tantos argumentos para orientar essas pessoas sobre importância do brincar na vida criança.

Dias atrás levei o parque para dentro da sala de aula por conta da chuva e quando um pai foi buscar seu filho, encontrou-o escalando o escorregador; a ação do pai foi imediata, chamou a atenção da criança, dei uma risada e expliquei que para crianças, as possibilidades do brincar são imensas. Ele balançou a cabeça e disse “- Como sou quadrado! ”. Tenho certeza que a partir daquele momento a intervenção dele será outra e o brincar de seu filho será mais livre, pelo menos no que diz respeito ao escorregador.



No meu tempo de faculdade era meio que moda o tema brinquedoteca e muitas pessoas usaram como pesquisa de TCC; para mim era algo muito novo e não tinha curiosidade sobre o tema, pois na minha existência o brincar sempre esteve presente em qualquer espaço que fosse propicio, tanto que o assunto abordado por mim foi totalmente na contramão disso tudo. Depois que me formei e trabalhei em escolas onde haviam brinquedotecas criei uma certa dependência desse espaço, meio que viciante porque o brincar estava preparado para ação; mas não me dava conta que era tudo muito mecânico, a preparação do ambiente pela criança era quase que nulo e a interferência do professor, dizendo o que era certo e errado, causava um bloqueio na criatividade e imaginação do aluno.


Nunca um copo podia ser um tambor ou qualquer outra coisa, e eu acabei entrando também nessa onda, mesmo achando aquela ação errada. Por motivos estruturais a brinquedoteca virou sala de aula e a brinquedoteca ficou sendo itinerante; assim minhas concepções foram se transformando e passei a agir como facilitadora, quebrando as amarras que havia adquirido até então. Porém foi participando de cursos que abordavam o tema do brincar de forma singela que isso foi possível.

Refletindo agora posso perceber que, durante a graduação, pouco se falou a respeito do brincar e o impacto dessa ação na primeira infância; assim fica fácil entender como ainda existem professoras despreocupadas pelo assunto, achando que os conteúdos específicos são mais importantes.


Criança Brincante



Aquilo que eu me recordo dos tempos de menina em relação ao brincar é que ele acontecia de forma muito espontânea; aqui não seguirei uma passagem cronológica, mas momentos significativos e que, de alguma forma, meu consciente fez questão de deixar raso e acessível.


Uma das minhas memórias acessíveis é de quando eu tinha cinco ou seis anos; nesse tempo minha mãe trabalhava em casa de família e às vezes me levava junto. Hoje me questiono o motivo já que eu frequentava escola nesse período, mas enfim, era um apartamento desses enormes e antigos; minha mãe trabalhava o dia inteiro e a brincadeira começava já na ida, dentro do ônibus lotado, cara na janela, ela me desafiando a contar quantos carros brancos, amarelos ou de qualquer cor que viesse à cabeça; às vezes eu desafiava a minha mãe e, em outros momentos, brincava sozinha.

aquela brincadeira silenciosa, onde as estratégias e desafios ficavam apenas no pensamento, aquele momento que é só seu. Chegando ao destino a brincadeira seguia nas ruas, equilibrando-me nas guias das calçadas, pulando para não pisar nas poças d'água, trançando os pisos do passeio. Dentro do apartamento, embora grande, o acesso à movimentação era mais restrito; lá era eu e um quartinho pequeno da empregada, às vezes alguns brinquedos, gibis, revistas, ali era inventando vários universos. Tinha um brinquedo dos sonhos que todas as vezes que eu ia, ele estava lá me esperando: era um quiosque do McDonald's, fazia hambúrguer, sorvete, refrigerante, montava e desmontava, cantarolando a música do "Big Mac". Brincar sozinha nesses momentos era divertido, embora quisesse sair correndo pela casa e explorar todo aquele espaço.

Nos momentos em que eu ficava em casa, brincava muito com uma vizinha da minha idade, as brincadeiras eram todas possíveis: fazíamos bonequinhos com papel e a mobília da casa com pregadores, restaurante na laje, tendo como plano de fundo um campinho de futebol que ficava lá longe, que se transformava na TV do local. A imaginação da criança é um mundo maluco, com diz Toquinho "O mundo da criança é um mundo mágico".

As novelas infantis também interferiam nas nossas ações. Teve uma vez que acreditávamos haver uma passagem secreta na casa de um vizinho do outro lado da rua, como na novela Chiquititas, e quando brincávamos juntos todas as brincadeiras giravam ao redor desse suspense. A rua não era um ambiente muito seguro, segundo meus pais, mas quando era possível brincar na calçada era uma delícia; até já investiguei um acidente de moto, pois por acaso estava no local e na hora certa; depois de tudo resolvido, recolhi as peças do crime e isso foi assunto para uma semana inteira.

Outra recordação é de um quintal enorme na casa de uma colega no final da rua. Era o local mais verde do bairro, repleto de árvores, corríamos de um lado para outro, brincávamos de pega-pega, de subir nas árvores, esconde-esconde, casinha. Era o contato mais próximo à natureza que eu tinha. A não ser quando minha mãe nos levava ao parque do Ibirapuera aos domingos, mas essas recordações são bem distantes, impossíveis de descrever.

Na escola a diversão era outra, as brincadeiras eram grupais, seja no recreio ou na educação física, menino pega menina, policia e ladrão, queimada, futebol, gato e rato. Engraçado que na sua maioria eram brincadeiras que requeriam movimento corporal intenso e isso fazia toda a diferença na nossa saúde; não me recordo de ter faltado na escola por problemas de saúde, uma garantia de que o brincar contribui para a imunização durante esse processo.


Reflexos e reflexões


Durante o meu processo de autoconhecimento percebi o quanto o brincar me tornou o que sou hoje. Minhas atitudes estão interligadas às ações representadas pelo brincar na infância, nunca fui de escolher determinados pares e criar elos entre eles; brincava sempre com aqueles que estavam disponíveis que queriam brincar, independentemente de qualquer coisa, sem me importar com as panelinhas já estabelecidas: assim era no grupo de futebol, ou na formação na equipe da queimada, nos reuníamos para brincar e não precisava ser o mesmo time sempre. Hoje na vida adulta isso permanece, não crio muitos elos, mas pontes, onde podemos atravessar de um lado para o outro sem amarras.

Assim também é com meu desejo de ficar sozinha em alguns momentos, pois me dou muito bem com a solidão, com meu silêncio, de ficar um tempo comigo mesma, e isso é reflexo dos momentos em que brincava sozinha, imaginando meu mundo mágico e divertido.

Com o curso Agentes do Brincar voltei anos luz no tempo, revivi muitas coisas, até aquelas que não vivi e queria ter vivido. O brincar é terapêutico e já havia me esquecido que adultos também brincam, que a vida pode ser mais leve e saudáveis esses hábitos brincantes e brilhantes: posso brincar de lavar louça, de sorrir para as pessoas no ônibus, de “stop” nas filas da vida, pular obstáculos na rua, apostar corrida para pegar o ônibus, nessas coisas de adulto que às vezes não tem nenhuma graça e ressignificamos com pequenas atitudes.


O brincar nos une e nos faz pessoas melhores, nos liberta de uma vida enrijecida e mecânica, repleta de convenções que só adulto embrutecido, na sua mania de levar a vida dentro de uma caixinha, faz. Hoje sou uma pessoa melhor e disposta a ajudar as pessoas que me rodeiam, experimentar o brincar como fonte de água viva e também me tornar livre para brincar e ser feliz.









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