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Brincar livre X Animação sociocultural: conceituar para melhor atuar

- Julio Cesar Furtado[1] -


A escolha do tema para reflexão partiu da aula do professor Frederico, de Portugal, ao referir o brincar como uma atividade eminentemente livre, autônoma. A partir daí indaguei-o sobre as oficinas, as atividades que adultos (pais, professores, agentes do brincar, recreadores, etc.) apresentam às crianças como forma de aprendizagem pelo brincar, como por exemplo, uma oficina de Mancala, de confecção da boneca Abayomi ou de peteca. Ele respondeu que essas propostas se encaixavam dentro do conceito de Animação Sociocultural, não do brincar propriamente dito, que é uma atividade onde a criança é protagonista das suas ações, das suas escolhas sobre o que fazer, como, com que materiais e lugar. A partir dessas questões propus-me refletir um pouco mais, à luz da teoria, sobre tais conceitos, como se intercruzam para uma ação como Agente do Brincar mais contextualizada e focada em objetivos coerentes com a literatura técnica.



[1]Professor de Arte da Rede Municipal de Ensino na cidade de São Paulo. Brincante e ator. Pós-graduado em Lazer e Animação Sociocultural, Psicopedagogia Clínica e Institucional e em Educação Especial nas áreas da Deficiência Auditiva, Intelectual e Múltipla. E-mail: jc4.cont@gmail.com

Desenvolvimento

Segundo Coresma (2017), o ser humano nasce e cresce com a necessidade de brincar, sendo uma das atividades mais importantes na vida do indivíduo. Por meio das brincadeiras, sabe-se que a criança trabalha as suas potencialidades, limitações, habilidades sociais, afetivas, cognitivas e físicas.



Logo, o brincar, continua o autor, é uma necessidade que toda criança tem. É, também, uma atividade que faz parte do seu cotidiano, é comunicação e expressão, associando o pensamento e a ação; um ato instintivo voluntário; uma atividade exploratória, que auxilia as crianças no seu desenvolvimento físico, mental, emocional e social; um meio de aprender a viver, e não um mero passatempo. Durante as brincadeiras, a criança desenvolve o exercício da fantasia e da imaginação, adquirindo, assim, experiências que irão contribuir para a vida adulta, experimentando inúmeras sensações que poderão ser usadas na vida cotidiana. Ao brincar, a criança pensa, reflete e organiza-se internamente para aprender aquilo que ela quer, precisa, necessita. Está no seu momento de aprender; isso pode não ter a ver com o que a família, o professor ou o fabricante de brinquedos propõem que ela aprenda.

Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e utilização e experimentação de regras e papéis sociais.

A diferenciação de papéis se faz presente, sobretudo no faz-de-conta, quando as crianças brincam como se fossem o pai, a mãe, o filhinho, o médico, o paciente, heróis e vilões, etc., imitando e recriando personagens observados ou imaginados nas suas vivências. A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança aprenda mais sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o outro. (PORTAL EDUCAÇÃO, 2019).

No faz-de-conta, as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma pessoa, de uma personagem, de um objeto e de situações que não estão imediatamente presentes e perceptíveis para elas no momento e que evocam emoções, sentimentos e significados vivenciados em outras circunstâncias. Brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não só de imitar a vida como também de transformá-la. Os heróis, por exemplo, lutam contra seus inimigos, mas também podem ter filhos, cozinhar e ir ao circo (Id. Ibid.).

Ao brincar de faz-de-conta, as crianças buscam imitar, imaginar, representar e comunicar de uma forma específica que uma coisa pode ser outra, que uma pessoa pode ser uma personagem, que uma criança pode ser um objeto ou um animal, que um lugar “faz-de-conta” que é outro. Brincar é, assim, um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente. Pela repetição daquilo que já conhecem, utilizando a ativação da memória, atualizam seus conhecimentos prévios, ampliando-os e transformando-os por meio da criação de uma situação imaginária nova. Brincar constitui-se, dessa forma, em uma atividade interna das crianças, baseada no desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira. Também se tornam autoras de seus papéis, escolhendo, elaborando e colocando em prática suas fantasias e conhecimentos, sem a intervenção direta do adulto, podendo pensar e solucionar problemas de forma livre das pressões situacionais da realidade imediata.

Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, o autor declara ainda que as crianças enriquecem sua identidade, porque podem experimentar outras formas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens. Na brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que são compartilhados em situações de interação social. Por meio da repetição de determinadas ações imaginadas que se baseiam nas polaridades presença/ausência, bom/mau, prazer/desprazer, passividade/atividade, dentro/fora, grande/pequeno, feio/bonito, etc., as crianças também podem internalizar e elaborar suas emoções e sentimentos, desenvolvendo um sentido próprio de moral e de justiça.

O desenvolvimento infantil se encontra particularmente vinculado ao brincar, uma vez que este último se apresenta como a linguagem própria da criança, através da qual lhe será possível o acesso à cultura e sua assimilação. O brincar se apresenta como fundamental tanto ao desenvolvimento cognitivo e motor da criança quanto à sua socialização, sendo um importante instrumento de intervenção em saúde durante a infância.

A linguagem cultural própria da criança é o lúdico. A criança comunica-se através dele e por meio dele irá ser agente transformador, sendo o brincar um aspecto fundamental para se chegar ao desenvolvimento integral da criança. Portanto, o ato de brincar é importante, é terapêutico, é prazeroso, e o prazer é ponto fundamental da essência do equilíbrio humano. Logo, podemos dizer que a ludicidade é uma necessidade interior, tanto da criança quanto do adulto. Por conseguinte a necessidade de brincar é inerente ao desenvolvimento. (Id. Ibid.).

Para o site Catraca Livre (2016), o brincar livre é quando a criança desenvolve uma atividade lúdica livre de direcionamentos, regras, imposições, estímulos intencionais e objetivos de aprendizagem. Não existe formato ou padrão para um brincar livre, o que existe é deixar a criança explorar sua criatividade, em seu próprio tempo e termos, e criar sua própria brincadeira. Não existe formato ou padrão para um brincar livre.

Na brincadeira livre tudo é possível e a imaginação da criança é seu maior combustível.


Quando falamos em brincar livre, a brincadeira é um meio, mas também um fim”, ressalva o autor.


Agora, em um mundo onde as crianças recebem cada vez mais estímulos, seja da televisão, seja da escola ou da própria família, como fica o brincar livre? Se, de um lado estímulos específicos são importantes para seu desenvolvimento (motor ou cognitivo, por exemplo), de outro o ócio criativo, e até o tédio (por que não?) também são importantes para as crianças.


Na contramão do modo de vida das cidades grandes, acrescenta o autor, sem pausas para momentos de contemplação, o Movimento Slowkids levanta a bandeira da desaceleração, da brincadeira livre e em contato com a natureza. Com eventos pelo Brasil, o movimento defende que, para as crianças se desenvolverem de maneira plena e possam se conhecer e investigar seus interesses, capacidades e emoções, é preciso respeitar seu tempo de descobrir, observar e experimentar.

No final das contas, será por meio de vivências plenas, calmas e afetivamente significativas, que as crianças crescerão de forma saudável e aprenderão a se relacionar com outras pessoas e com o mundo.

É no brincar e talvez apenas no brincar que a criança ou o adulto fluem sua liberdade de criação e podem utilizar sua personalidade integral e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu. (WINNICOTT, 1975).

Já a animação cultural refere-se à mediação entre público e o trabalho cultural, a produção cultural de uma determinada sociedade, está diretamente relacionada ao trabalho com a comunidade. Ela visa oferecer, enquanto instrumento educacional e recreativo, inúmeras vias de admissão ao universo da cultura e do conhecimento, seja através de manifestações expressivas naturais ou estruturadas. Esta ação também tem como meta aprimorar o caráter existencial de cada ser, por meio da evolução individual, a qual provoca ecos no grupo social. PACHECO, s/data).

Para Santana (2019), trata-se, portanto, de um instrumental de natureza pedagógica, apto a intervir nas mais distintas circunstâncias e esferas sociais, e tem como fim realizar as necessárias mudanças no âmbito da realidade. Para tanto ele atua como um árbitro cultural, com o objetivo de gerar uma sociedade melhor e mais solidária, na qual todos os direitos individuais são amplamente respeitados. Este caminho passa necessariamente pela aceitação das diferenças e pelo despertar do potencial criativo humano, que instaura o prazer e também a postura crítica.

Assim sendo, o animador, agente ou promotor cultural, continua a autora, exerce o papel de motivador dos grupos sociais, interagindo com seus integrantes no sentido de conduzi-los à prática cultural; ele incita a comunidade a resgatar e a disseminar seus valores e a utilizar os próprios meios na construção de sua cultura.

No cenário político que nos encontramos, com as características da sociedade em que vivemos,diversos fatores como a violência, a falta de espaços para o brincar nas grandes metrópoles, entre outros, contribuem para que muito frequentemente se originam conflitos que dificultam a vida quotidiana das populações e da pessoas. Neste caso, a animação sociocultural pode ser um remédio oportuno para lutar contra essas “doenças” sociais.

Enfim, animar é dar a alma e a vida a um grupo humano, a um conjunto de pessoas entre as quais as relações não se produzem espontaneamente, ou são impedidas e bloqueadas a consequência da coacção das estruturas sociais ou das condições de vida. D a ideia simples de “dar impulsão” passa-se pouco e pouco à de uma acção exercida sobre os outros sem nenhum tipo de coacção: suscitar e orientar as iniciativas, aumentar a sua participação na vida do grupo, provocar a reflexões. (MARRANA, 2011).

Considerações

A experiência é o que nos passa, atravessa. O sujeito da experiência seria um território de passagem, uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo.

Jorge Larrosa

A experiência desse trabalho foi de suma importância, pois possibilitou-me trazer à tona significativas reflexões a cerca da atuação do Agente do Brincar. Entender como cada proposta se difere foi um momento para (re)pensar projetos, propostas, procedimentos e estratégias para os diversos públicos que pretendo trabalhar a partir de agora, oferecendo, seja por meio do brincar livre ou por meio de uma ação de animação sociocultural, as condições, os recursos necessários para cada ocasião.

Em contrapartida, as duas linhas de atuação se convergem no sentido de que a criança, adolescente, jovens, adultos e as pessoas da 3ª idade, foco principal do Agente do Brincar, já que em ambas as estratégias a nossa meta é contribuir para a participação mais do que vivências, mas em experiências saudáveis, acolhidos num ambiente sensível, diminuindo preconceitos, (re)construindo possibilidades de relações interpessoais mais equilibradas, de respeito às diversidades, e principalmente, propiciando recursos necessários para que os brincantes possam se expressar com autonomia, valorizados em suas subjetividades.

referências:

CATRACA LIVRE. O que significa proporcionar o brincar livre? São Paulo: 2016. Disponível em:<https://catracalivre.com.br/catraquinha/o-que-significa-proporcionar-o-brincarlivre-2/>. Acesso em 03 jul. 2019. 00:41.

CORESMA, Leandro de Castro. O que é o brincar? São Paulo: Estadão: 2017. Disponível em:< https://educacao.estadao.com.br/blogs/colegio-pentagono/o-que-e-bri ncar/>. 02 de jul 2019.

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