- Venerson Fontellas -
A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais. [...]
Dessa forma é possível verificar que a criança está constantemente interagindo com o meio em que vive, e nessa interação de alguma forma ela também é produtora de conhecimento. Visto que a criança é um sujeito de direito, já dotada de habilidades mínimas para interação e comunicação com as pessoas e os ambientes que as cercam. Diferentemente da maioria dos adultos que se expressam e se organizam através das linguagens oral e escrita, as crianças geralmente fazem isso pela brincadeira.
E dessa forma as brincadeiras delas estão marcadas de significados. Visto isso, é pouco provável, por exemplo, que quando um grupo de crianças brinque de “o mestre mandou”, não estejam reproduzindo, ainda que não planejadamente, estruturas sociais e de poder. Assim, a criança nos diferentes espaços em que convive ela não só aprende pela convivência, mas também cria e transforma os espaços em que convive.
Pode-se pensar em espaços não formais, por exemplo, quando uma criança brinca com outra criança mais velha que ela, é provável que ela aprenda alguma coisa e isso não significa que nesse processo a criança mais velha também não possa aprender. Nesse sentido, pode-se considerar o que Bujes (2011, p. 21) destaca:
Ao considerarmos que vivemos em contextos culturais e históricos em permanente transformação, podemos incluir aí também a idéia de que as crianças participam igualmente desta transformação e, neste processo, acabam também transformadas pelas experiências que vivem neste mundo extremamente dinâmico.
É possível observar que as brincadeiras em geral desenvolvem alguma habilidade ou sensação nas crianças, seja o pular que faz com que a criança sinta determinada adrenalina ou mesmo o brincar com materiais como caixas e latas vazias que possibilitam a criação, de casas, de prédios ou mesmo de um grande estacionamento para carros, a imaginação nesse momento é que toma conta da brincadeira.
O que muitas vezes não se percebe são as inferências que as brincadeiras fazem com a sociedade num todo, seja com o que se vê no ambiente familiar, escolar, entre amigos, ou mesmo as notícias que circulam no dia a dia. Em brincadeiras em que um grupo perde e outro ganha, por exemplo, traz questões que podem ser discutidas, já que a vida é cercada de situações em que se ganha ou se perde alguma coisa, e isso não só na vida adulta, a vida da criança, desde que nasce, é cheia de situações de perdas e ganhos, desde perder um brinquedo a ganhar um novo irmão. Essas reproduções acontecem constantemente, não é atoa, por exemplo, que meninas muitas vezes são incentivadas a brincar de “casinha” enquanto os meninos têm o carrinho de brinquedo do “ano”. Não é muito longe do que se vê na sociedade ou do que o machismo prega.
Sobre as relações que as crianças fazem Leni Vieira Dornelles (2001) aponta que já bebês as pessoas começam a conhecer o mundo, estabelecendo relações com as pessoas. E que através do brincar se expressam, experimentam e interagem com os outros, com seu corpo e com objetos.
Quando maiores, pelas brincadeiras aprendem a se relacionar com outro, a partilhar brinquedos e espaços, além de negociar regras. Nessa perspectiva, o brincar e as brincadeiras têm papel fundamental na formação social das crianças, uma vez que nesse processo elas não penas reproduzem questões da sociedade, mas elas aprendem a conviver nela e para ela. Como destaca Charlot (2000):
“[...] o sujeito é um ser humano social e singular, que se produz ele mesmo e é produzido através da educação”, para tanto é necessário entender que essa relação também se dá na relação com o outro, uma vez que é na relação com o outro que se transforma, aprende e se desenvolve."
Observe um grupo de crianças brincando em um parquinho, desses que têm em parques públicos, veja como elas se organizam, como ela se corrigem, como se planejam, perceba se não existem líderes, entenda as diferentes habilidades desse grupo. Se compararmos com a vida de pessoas adultas talvez não seja tão diferente. É claro, dadas as proporções.
A questão é que as crianças vivem em um mundo dinâmico e ainda que não exista intencionalidade como as adultas, elas estão produzindo conhecimento constantemente pelo brincar e exteriorizam isso também pelo brincar.
Também não é longe do mundo das brincadeiras de criança os conflitos, as brigas e os confrontos, por que será que eles existem em momentos como os de diversão? Talvez seja porque em todo processo de organização de alguma coisa apareçam os interesses de cada um, a forma de ver o mundo de cada um, a forma de pensar de cada um. Isso também não é muito diferente da vida adulta, tente pensar em como a sociedade se organiza, bem parecido não é mesmo?
Angela Meyer Borba afirma que:
Para as crianças, a brincadeira é uma forma privilegiada de interação com outros sujeitos, adultos e crianças, e com os objetos e a natureza à sua volta. Brincando, elas se apropriam criativamente de formas de ação social tipicamente humanas e de práticas sociais específicas dos grupos aos quais pertencem, aprendendo sobre si mesmas e sobre o mundo em que vivem. Se entendermos que a infância é um período em que o ser humano está se constituindo culturalmente, a brincadeira assume importância fundamental como forma de participação social e como atividade que possibilita a apropriação, a ressignificação e a reelaboração da cultura pelas crianças. (2007, p. 12).
Dessa maneira, percebe-se o quão importante é que existam espaço e tempo para que as crianças brinquem.
É importante, ainda, que os adultos que convivam com essas crianças brinquem com elas, para que estejam mais próximos do mundo delas, e assim, possam ensinar, aprender e o mais importante respeitar a criança em sua singularidade, como aprendiz, mas também como produtora de conhecimento.
A criança quando brinca, brinca por diversão, mas não significa que não haja significado. Para conhecer elas de verdade é necessário querer entrar no mundo delas, no mundo da brincadeira.
REFERÊNCIAS
BORBA, A. M. A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil. Revista Criança do Professor de Educação Infantil, n. 44, p. 12-14, nov. 2007. BUJES, M. I. E. Escola Infantil: Pra que te Quero? In: CRAIDY, M.; KAERCHER, G. E. P. S. Educação Infantil: Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 13-22. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre, Artes Médicas Sul, 2000. DORNELLES, L. V. Na escola infantil todo mundo brinca se você brinca. In: CRAIDY, C. M.; KAERCHER, G. E. P. S. (Org.). Educação Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 101-108.
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