- Erivelton de Jesus Gomes -
Brinquedo é só um brinquedo sem o ato de brincar, é um objeto obsoleto que não tem ação se não houver reação. Para ele ter sentido é necessário a imaginação, logo, o ato de brincar é também imaginar, se projetar e de se descobrir a cada momento, principalmente na infância. Por conta disso, o foco desse trabalho será a imaginação, onde tudo começa, onde tudo ganha vida.Você consegue imaginar um mundo sem imaginação? Já parou para pensar que o ato de pensar, remete à imaginação e que, portanto, não conseguimos nos inserir socialmente sem a imaginação?
E qual o melhor momento da vida, se não a infância, quando mais brincamos, para que nós desenvolvêssemos nossa imaginação. O presente trabalho parte do interesse de entender a imaginação no ato de se brincar, de como a imaginação é importante para o desenvolvimento sensorial e social das crianças e por que não, dos adultos? Para tal, irei me basear em teóricos como Lev S. Vygotsky (1896-1934), que trabalha, entre outras coisas, com a capacidade do ser humano em criar técnicas (Instrumentos) e signos, para se relacionar ao mundo, essa relação ganha o nome de mediação e é por meio dela que se há a transformação da sociedade.
Aqui, iremos tratar essa mediação como o ato de brincar e o ato de brincar é também imaginar e para Vigotski é fundamental para a formação de conceitos presentes na sociedade, o que acaba levando aos signos. O teórico afirma ainda que a imaginação pode ampliar os espaços de experiência dos indivíduo, visto que, ele pode “imaginar o que não viveu, o que não vivenciou diretamente em sua experiência pessoal.” (VIGOSTKI, 2009, p. 25).
Sendo assim, a criança pode viver nos entre mundos da imaginação, se colocando inclusive em situações que não está pronta para tal, como ser mãe ou motorista de ônibus.
Outro autor que pretendemos trabalhar é Walter Benjamin, teórico da escola de Frankfurt, que argumento que a brincadeira para a criança representa a própria liberdade, ou seja, mesmo que a brincadeira seja imposta pelos adultos, a criança consegue criar o seu mundo, manifestando assim sua imaginação. Ela parte do real, ou seja, de sua realidade, o filosofo afirma que a criança ira representar fragmentos de sua cultura, do que está em seu entorno, representando assim, o real no mundo imagético.
Tanto Vygostsky e Benjamin, partem de um pressuposto semelhante, da perspectiva social, cultural e histórica na formação do sujeito e da construção do brinquedo, ou seja, a criança usara do lúdico, o brinquedo, para externalizar o que não pode e a partir dessa externalização, cria-se um mundo de liberdade, no qual o sujeito é protagonista e trará do mundo real regras sociais que irão ser aplicadas em uma situação imaginária. (GONÇALVES, p. 10).
Pensando nessa perspectiva de criação de uma situação imaginada, no qual ela tem a função de libertar a criança, Walter Benjamin, estende essa liberdade também para os adultos e informa que o lúdico não é essencial apenas às crianças, mas também para os adultos.
O filosofo afirma que os adultos ao se depararem com situações difíceis, tende a libertar-se de suas dificuldades no mundo imagético da fantasia. Usa como exemplo o fato de que na Segunda Guerra mundial a procura por livros e jogos infantis teve um crescimento grande. (BENJAMIN, 2004, p. 85). Pensando nessa perspectiva, não é difícil imaginarmos isso, visto que não é difícil lembrarmos-nos de situações que isso ocorre com nós mesmos, de momentos em que estávamos passando por alguma dificuldade e para aliviá-las, usamos da imaginação como forma de escape da realidade. Portanto, o ato de brincar/imaginar, não é apenas algo das crianças em si, mas de todos os seres humanos.
Um interessante filme que aborda os conceitos de Walter Benjamin, é Tarja Branca, filme documentário lançado em 2014, aborda a importância do brincar não apenas na infância, e como esse ato acaba transformando a vida adulta. O filme é interessante porque ele aborda a forma que a sociedade vai moldando nossos desejos de forma, que em algum momento, repelimos o desejo de brincar, ficando assim, mais focados no mundo dos negócios, palavra inclusive que é trabalhada no filme, por meio de um dos entrevistados, Ricardo Goldenberg, psicanalista, que afirma que negócio, etimologicamente falando, significa o contrário de ócio, que tinha uma importância muito grande na antiguidade, visto que era a partir dele, que se faziam políticas, artes, esportes e entre outras atividades, porem a partir do cristianismo, essa ideia se inverte, e o negocio vai ganhando mais forma e importância, chegando ao ponto de deixar o ócio como algo que deve ser evitado, e o que a brincadeira tem haver com isso tudo?
Pelo simples fato que as pessoas se negam ao ócio, e na maioria dos casos se voltam exclusivamente ao mundo dos negócios e frases como “não estou aqui para brincadeira” ficam mais constantes, trazendo assim, uma carga negativo ao ato de brincar, que na verdade, deveria ser algo que libertasse as pessoas, deixasse-as mais felizes e contentes
Voltando aos conceitos trabalhado por Benjamin, o autor faz outras criticas, como o efeito que a indústria dos brinquedos causou (e ainda causa) no ato de brincar e imaginar.
A partir da existência da especialização de fabricação de brinquedos pela grande indústria, tira-se a situação imaginária do objeto, pois, alem da produção ser em massa, as crianças deixam de participar efetivamente da produção dos brinquedos. Segundo o autor, antes das indústrias, esse papel ficava nas mãos de pequenas oficinas, pais e crianças, que juntas criavam seus brinquedos. Essa mudança de fabricação faz com que, alem do imaginar ficar mais limitado, fazendo com que o brinquedo já vinha imaginado, ele ainda deveria ser comprado. Essa também é uma ideia que é trabalhada no filme Taja Branca, logo no inicio do documentário, o documentarista David Reeks, que discute o ciclo do brincar, e para ele, no momento que a criança imagina um carrinho e consegue construí-lo, dá-se início do ciclo do brincar, porém com a sociedade contemporânea, “a criança, só pega no final [do ciclo], porque o desejo está dado pela indústria, criação está dada pelos inventores, engenheiros, os que inventaram o brinquedo, a criança, só pega o brinquedo, mas já quer outro”. (Tarja Branca, 14:34).
É interessante pensarmos nessa crítica que Reeks faz para essa quebra do ciclo do brincar. Walter Benjamin já vem fazendo essa reflexão desde os tempos da instauração de industrias pela sociedade e além dessa quebra de paradigmas, podemos pensar também nesse “já quer outro” que Reeks afirma, que é justamente o consumismo latente e crescente nas crianças durante os anos e que também foi tema de alguns documentários pelo mundo. Nos Estados Unidos, Consuming Kids trabalha com essa ideia do consumo exacerbado e mais do que isso, de como foi sendo construído uma indústria do marketing voltado para as crianças, que acaba limitando , o brincar e imaginar.
No Brasil também temos um filme-documentário que retrata isso, se chama “Criança, a alma do negócio”, lançado em 2008, que mostra como a mídia interfere na formação cognitiva das crianças.
Ana Maria Souto Luz da Silva e Maria Jaqueline Paes de Carvalho em seu trabalho intitulado “recordações maravilhosas da infância: a memória como fonte de resgate das brincadeiras tradicionais na educação infantil” trabalham com a idéia de resgatar as brincadeiras do passado, combatendo o seu esquecimento em vista do impacto causado com os brinquedos tecnológicos e transformando o brincar em um ato de colecionar brinquedos e não mais brincá-los, (GONÇALVES p.12) critica está que Benjamin já fazia no começo do século XX, no qual os brinquedos estavam perdendo seu poder de imaginação múltipla.
Silva e Carvalho argumentam que o brincar coloca a criança em uma situação experimental, “organiza-se, regula-se, constrói normas para si e para o outro. Ela cria e recria, a cada brincadeira, o mundo que a cerca.” (SILVA e CARVALHO apud Dornelles 2001), ela cria uma linguagem para se entender com sigo e com o mundo que a cerca e o aprendizado vai se formando por meio do brincar com o convívio com a família e absorvendo os valores culturais que a cerca.
Levando em conta a leitura dos autores aqui tratados e os filmes que assisti, percebi o ato de brincar, como um caminho possível para aguçar a imaginação da criança e também dos adultos. Cada vez mais perdemos essa capacidade, para o caso dos adultos, sem ao menos percebemos de sua importância para nosso dia-a-dia e quão importante é darmos valor para a imaginação e também nos aproximar das crianças e deixamos nosso lado criança mais aguçado. Achei interessante sobre como a palavra ócio pode representar não só um conceito, mas um estado de espírito, de se libertar do “mundo dos negócios” e darmos mais tempo ao que de fato interessa e nos traz paz e alegria. Percebi ainda que brincar e imaginar correm lado a lado e a imaginação também pode ser os instrumentos do qual Vygosty trabalha. Ao fim, chego a conclusão que brincar é se libertar, é se transformar, é revolucionar e também é, crescer, seja de alegria, festividades, ter mais consciência sobre o mundo e por que não, de amar o próximo?!
Filmes
TARJA Branca. Direção Cacau Rhoden. São Paulo. Maria Farinha Filmes. 2014.
Disponível:https://www.primevideo.com/detail/0NUAZW5IKASYB7Q515AR188OW9/ref=atv_sr_def_c_unkc__1_1_1?sr=11&pageTypeIdSource=ASIN&pageTypeId=B082VL892P&qid=1596156750. (89 min).
Consuming Kids: The Commercialization of Childhood. Direção de Adriana Barnaro e Jeremy Earp. Estados Unidos. Media Education Foundation.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tMaRsR7orTk 66 min.
Criança, a alma do negocio. Direção de Estela Renner. Brasil. Maria Farinha produções. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ur9lIf4RaZ4. 49 mim.
Bibiografia
GONÇALVES, Carlos Augusto P. O Brinquedo: As perspectivas de Walter Benjamin e Vygotsky para o desenvolvimento social da criança. In: XII Encontro de Pesquisas em Educação – Centro-Oeste, 2014, Goiânia. Anped Centro-Oeste, 2014. P. 06-17.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórica-cultural da educação. 25. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014 – (Educação e Conhecimento). P. 169.
SILVA, A. M. S. L. e CARVALHO, M. J. P. Recordações Maravilhosas Da Infância: A Memória Como Fonte De Resgate Das Brincadeiras Tradicionais Na Educação Infantil. IV Encontro de Pesquisa Educacional em Pernanmbuco, 2012. P. 01-14.
VIGOTSKI, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico: livro para professores. Apresentação e comentários de Ana Luiza Smolka; tradução de Zoia Prestes. São Paulo: Ática.
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