- Laura Melo Lima -
“A criança responde às impressões que as coisas lhe causam com gestos dirigidos a elas”
(Henri Wallon)
No universo pedagógico a palavra motricidade é usada com frequência, sobretudo nos estudos acerca do desenvolvimento infantil. Definida como “conjunto de funções nervosas e musculares que permite os movimentos voluntários ou automáticos do corpo”, a motricidade pode ser compreendida como a sucessão de posturas e movimentos divididos em três categorias: movimentos reflexos, movimentos rítmicos e movimentos voluntários. Em uma escala de complexidade os movimentos reflexos seriam os mais simples, e os voluntários, mais complexos. Por esta razão, os movimentos reflexos são organizados pela medula espinal e movimentos voluntários necessitam da participação de outros níveis hierárquicos do sistema motor.
É consenso entre diversos teóricos - Piaget, Vygotsky e principalmente Wallon - que o movimento tem papel fundamental na afetividade e na cognição. O médico francês Henri Wallon foi um dos autores que abordou com mais afinco as dimensões do movimento e atribuiu a este um “caráter pedagógico”, pois segundo ele “há uma qualidade no gesto do movimento e na sua representação”. Para entender as nuances do controle motor e pensar os espaços educativos e a brincadeira é necessário trazer à tona as contribuições da neurociência na análise deste cenário e abordar a discussão sobre os espaços oferecidos pelas escolas e demais instituições para o desenvolvimento do brincar.
No início da vida o indivíduo (bebê) relaciona-se com o mundo, exclusivamente, por meio de movimentos reflexos. Os atos - sugar e agarrar - são inatos, e segundo algumas pesquisas são aparentes ainda no útero materno. Esse comportamento apresentado inicialmente demonstra a falta de intencionalidade do movimento, pois o bebê não desenvolveu os músculos, nem o tônus muscular. A neurociência diz que movimentos reflexos são simples, primários e, portanto, se diferenciam do movimento voluntário, pois não possuem intencionalidade.
Wallon nomeou de disciplinas mentais a competência de controle de suas ações pelo sujeito. Segundo ele, essa capacidade está ligada a maturação dos centros de inibição e discriminação situados no córtex cerebral que acontecem por volta dos seis, sete anos. Antes dessa idade a capacidade da criança controlar voluntariamente suas ações é pequena. ( GALVÃO, 2009, p. 75-76).
As escolas, particularmente, algumas da rede públicas, estão arquitetadas numa estrutura do século passado, a disposição do espaço assemelha-se com as penitenciárias, são rígidos, crianças amontoadas em espaços apertados, obrigadas a ficarem por horas na mesma posição e fixar atenção sobre um foco. O que evidencia a tentativa de controlar comportamentos e punir, mas que há tempos dão indícios de fracasso. Galvão ( 2008) expõe o pensamento de Wallon - as escolas, infelizmente, insistem em imobilizar a criança, deixando-as limitadas a uma única possibilidade. A neurociência adverte quanto a isso e orienta para variar o contexto, o cérebro precisa passar por experiências diversificadas.
As crianças precisam experimentar contextos diferentes para aumentarem o repertório comportamental, que nas palavras de Wallon significa– consolidar as disciplinas mentais – é um processo gradual e lento e que não depende apenas das condições neurológicas, mas estão ligadas a fatores sociais e ambientais, como o desenvolvimento da linguagem e aquisição de novos conhecimentos, ou seja, modelos. Brincando as crianças conseguem desenvolver muitas habilidades. De acordo com uma matéria do jornal El país realizada no ano de 2018 “quanto mais heterogêneas forem as idades das crianças que brincam, melhor será para o desenvolvimento das relações pessoais e para a modulação da agressividade e da empatia”. Nesse contexto o curso Agentes do Brincar proporcionou muitas reflexões a respeito da importância da brincadeira, principalmente o brincar ao ar livre, atividade que deveria ser prioridade em todos os espaços, não apenas na escola.
Durante nossos estudos, diversas áreas contribuíram e enfatizaram que brincar é coisa séria, deve ser planejado e sistematizado com cuidado para atender as necessidades de todas as crianças. O conhecimento sobre o funcionamento do cérebro indicado em pesquisas recentes da neurociência demonstram conexões claras entre o desenvolvimento de habilidades motoras finas ainda no início da vida e sucesso subsequente em matemática. Assim, as brincadeiras têm um papel importante na oferta de modelos, nas variações dos contextos e nas emoções apresentadas pelas crianças, pois são formas de comportamento. Quando falamos em oferecer repertório de brincadeiras, ampliar os movimentos estamos provocando evoluções no cérebro dos pequenos. A velocidade, as voltas, a sensação de perigo causada pela altura, os desafios do equilíbrio, correr, pular são movimentos muito atrativos para, possibilitam acionar diversos circuitos neuronais e Wallon diz que as emoções das crianças se mostram pelo corpo, são indissociáveis.
A perspectiva corpo- emoção- meio deve ser aprofundada levando em consideração a importância da cultura e das relações humanas tendo como referencial o papel do cérebro. Com essa informação fica evidente a importância dos modelos e contextos e da intencionalidade ao propor brincadeiras. O currículo da educação infantil paulistana diz o seguinte. Os bebês e as crianças aprendem especialmente ao estabelecer interações e ao realizar brincadeiras. Estas são situações de vida autênticas, pois não prescindem das relações e dos vínculos entre as pessoas, de contextos e de repertórios de práticas. A aprendizagem está presente na realização de todas as práticas da vida cotidiana (LAVE, 2015; ULMANN, BROUGÈRE, 2013 apud SME 2019).
Segundo Galvão (2008) “ o meio é o campo sobre o qual a criança aplica as condutas de que dispõe”. O discurso repetido pela pedagogia sobre o protagonismo da criança, erros e riscos fazem parte do processo de aprendizagem e foi comprovado e confirmado pela neurociência.
O cérebro precisa sequenciar os comportamentos, treinar a memória de trabalho. Na execução dessas ações os circuitos neuronais recebem os impulsos elétricos e são ativados, mas os agentes precisam colaborar fazendo intervenções seja com o planejamento das ações e repensando os espaços, para garantir que as crianças tenham qualidade nesse processo, pois o ambiente cultural é um facilitador das funções cognitivas.
A inserção e estimulação de movimentos deve ser realizada de modo correto. A criança aprende ao observar o modo como o movimento é feito e a partir daí tenta realizá-lo. Se perceber que não consegue fazê-lo da mesma forma que seus pares e dos adultos, se encarrega de buscar a posição, força e inclinação correta, dentre outros ajustes. Para que a brincadeira afete a criança de maneira positiva é necessário um modelo real. Neste caso, o mediador (a) pode realizar movimentos para que a criança tenha a oportunidade de observá-lo(a) para que ela entenda o que é solicitado ao brincar e passe reproduzir de modo correto e a medida que tentar outras vezes, corrige, erra e vai compreendendo o que é esperado em cada situação, atingindo a automatização e correções automáticas dos movimentos posteriormente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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