- Mina Regen -
Foto: Martha (1925), de Georg Schrimpf,
E o meu trabalho, como fica?
Esta é uma indagação que grande parte das mulheres que têm emprego se faz quando, após os meses de licença-maternidade, devem retornar ao trabalho! Isto porque na sociedade contemporânea, a mulher assumiu a responsabilidade de ter que administrar sua vida de forma a ser competente como esposa-mulher, esposa-amante, esposa-profissional e por aí vai!!
Vivemos num país em que grande parte da população economicamente ativa é constituída de mulheres e seu trabalho hoje representa parcela considerável da renda familiar. A sociedade não lhe oferece local adequado onde possa deixar o seu filho/a sob cuidados, ou seja, creches. Geralmente é grande a distância que deve percorrer para chegar ao trabalho, principalmente em grandes metrópoles como São Paulo. Deve enfrentar, ainda, a dupla jornada de trabalho, já que ao retornar ao lar precisa cumprir suas funções domésticas. Também vivemos numa sociedade em que o machismo ainda impera, com a conseqüente falta de colaboração do companheiro na divisão de tarefas, como levar o filho ao médico, à escola, etc.
Com a vivência da maternidade muitos conflitos surgem em sua vida, principalmente nessa fase em que deve se separar de seu filho. Romper um vínculo dessa amplitude requer dela uma força interior. Mas esta situação se torna mais dramática quando a mulher que trabalha vem a ter um filho com deficiência, trazendo consigo um sentimento de culpa, como se o estivesse abandonando!
Depoimento:
“Sou funcionária pública e já está vencendo a minha segunda licença-maternidade após o nascimento de Vinícius (nome fictício). Fico angustiada de pensar que em breve não terei o meu pedido de renovação da licença aprovado. Ele faz atendimentos semanais de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional e não posso abandonar o tratamento justo agora que ele começou a evoluir! Já pensei em todas as alternativas possíveis, mas não encontro solução. Acho que ninguém conseguirá cuidar dele como eu! A minha sogra até se ofereceu para olhá-lo, mas ela já tem idade, já criou os seus filhos e não acho justo abusar de sua boa vontade. Também não encontro uma creche que aceite o meu filho, só porque ele nasceu com esse probleminha! ”
Uma das fantasias criadas pelas mães como a deste depoimento é a de que somente ela é capaz de cuidar, entender e satisfazer as necessidades da criança. Talvez, atrás dessa fantasia esteja embutido um desejo de evitar que os outros, pela convivência mais direta, entrem em contato com a deficiência real de seu filho. Pode tratar-se, também, de uma forma de auto-flagelo para amenizar suas culpas. E o resultado é extremamente negativo, pois ao não aproveitarem a ajuda dos outros, não dedicam um tempo a si próprias e não permitem ao filho estabelecer relações diferentes e menos prejudiciais que a sua superproteção acaba acarretando.
Depoimento:
“Sou professora concursada e como o meu marido não ganha muito bem, o meu salário sempre foi necessário à manutenção de nossa casa. Quando Fábio nasceu com a síndrome de Noonan fiquei em estado de choque, inicialmente, mas aos poucos fui me recuperando. Decidi que voltaria a lecionar após a licença-maternidade e pedi à minha mãe, que já cuidara de meus sobrinhos, mas ela se negou a ficar com o Fábio. Fiquei muito magoada e tentei solicitar a ajuda de minha sogra e a resposta também foi negativa. Eu estava desesperada e no fundo do poço, quando a irmã de meu marido, que já cuida de 3 filhos, ofereceu-se para ficar com o meu filho das 12 às 18horas, enquanto eu trabalhava. Foi uma bênção de Deus e até o Fábio melhorou muito de comportamento e teve um bom desenvolvimento, graças à convivência com os priminhos! ”
É comum que parentes próximos apresentem rejeição e medo ante o desconhecido. Temem que algo ocorra e que não saibam o que fazer, considerando uma responsabilidade grande demais a ser assumida. Nesses casos, os pais só conseguem perceber a rejeição ao seu filho, não sendo capazes de entender as limitações dessas pessoas que, provavelmente, nunca conviveram com uma criança com deficiência.
Ao perceberem a rejeição de parentes e amigos é importante que os pais analisem a sua própria atitude em relação ao filho e se, de alguma forma, eles não estão fornecendo modelos inadequados para as outras pessoas.
Por exemplo, se eles sempre falam desse filho como um peso, “uma cruz a carregar”, será que algum parente se disporia a carregar essa cruz com eles?O trabalhar fora pode, porém, ser uma das formas de se quebrar o isolamento a que pais recentes se obrigam por motivos variados, como dor, tristeza, vergonha, depressão, etc.
Depoimento:
“Quando Daiane nasceu com síndrome de Down, fiquei muito triste e desesperada. Tudo à minha volta era tristeza e fui me fechando cada vez mais ao contato com parentes e amigos. Achei que a minha missão para o resto da vida seria cuidar dela. Sou secretária bilíngue, o meu salário sempre foi muito importante para a nossa família e quando venceu a minha licença-maternidade fiquei muito ambivalente. Como as nossas despesas haviam aumentado muito, o meu marido insistiu para que eu voltasse a trabalhar. Após bater em várias portas, finalmente encontrei uma creche que aceitou ficar com Daiane. No início foi difícil, pois eu achava que a creche não conseguiria cuidar dela e a minha atenção, no trabalho, estava muito dispersa. Aos poucos e com o apoio de meus colegas de serviço, fui me readaptando ao trabalho. Também percebi o quanto Daiane estava ganhando com a convivência na creche. Agora acho muito positivo ter outras coisas para pensar e não só os problemas de Daiane e a minha tristeza”.
É importante que cada mãe faça uma avaliação de seu momento de vida e de suas prioridades. Caso ela decida por permanecer com o filho no lar por um período maior, sem que isto lhe seja penoso, é bom que ela o faça. Mas, se por circunstâncias da vida ou por necessidade de realização própria ela decida que deve voltar a trabalhar, que o faça sem culpas. O mais importante é que, qualquer que seja a sua decisão, esta não seja sentida como um sacrifício em benefício do filho, pois em futuro próximo ela virá a cobrar isso dele. Temos sido testemunha de vários casos em que as mães deixaram de lado carreiras promissoras e que anos mais tarde verbalizaram ter se sacrificado por aqueles filhos, sem que estes evoluíssem como desejariam.
*Mina Regen <Assistente Social, co-autora do livro “Mães e Filhos Especiais: Relato de experiência com grupos de mães de crianças com deficiência” – CORDE, 1993 – Capítulo 17.
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