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Significação urbana pelo brincar

- Ana Maria Loge Hashimoto -


Como graduada em Pedagogia acredito que o brincar seja uma das maiores fontes de aprendizado humano que se pode encontrar, especialmente no mundo contemporâneo, sendo este o assunto principal tratado nestes últimos seis meses através de experiências, discussões, e reflexão.

Buscarei neste breve artigo discutir a ressignificação do espaço urbano através do brincar, pois acredito que uma das maiores barreiras sociais atuais são os espaços desencarnados(JAQUES; BRITTO, 2012), as arquiteturas homogêneas e padronizadas além de todos os lugares construídos exatamente para não serem experimentados como espaço cultural e de uso popular.

O brincar, especialmente o infantil traz muito aprendizado e uma bagagem cultural enorme, transparecendo muitas desigualdades e paradoxalmente muitas vezes as transcendendo também. A brincadeira se torna possível a partir do momento em que crianças com memórias culturais diferentes se encontram e assim, seus repertórios se fundem e se reestruturam.

Espero então, conseguir expressar neste documento um pouco de meus aprendizados dialogando com a questão dos corpos na cidade e os infantes.

Gostaria de iniciar este artigo tratando das questões das cidades contemporâneas e seu papel social diante àqueles que serve. No artigo Corpo e Cidade: complicações em processo, de Paola Jaques e Fabiana Britto, para a Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, as questões de sociologia urbana são discutidas e as autoras iniciam o escrito falando da atual configuração arquitetônica urbana:


“Na lógica espetacular atual, os projetos urbanos hegemônicos buscam transformar espaços públicos em cenários desencarnados, em fachadas sem corpo: pura imagem publicitária. As cidades cenográficas são espaços pacificados, que esterilizam a própria esfera pública política.” (JAQUES; BRITTO, 2012)


Como as autoras descrevem, o espaço urbano atual é em sua maior parte comercial no sentido de vender uma atitude, um comportamento, um ritmo e muitas vezes um ideal. Ruas com calçadas estreitas, pessoas andando rápido sem locais de parada ou descanso além da uniformidade de cores e formatos. A cidade muitas vezes não é feita para ser experimentada ou servir, mas sim para ser servida. Britto e Jacques também explicam o conceito de corpografia que acredito conversar bastante com o tema deste artigo:

“(...) corpo e cidade se configuram mutuamente e que, além dos corpos ficarem inscritos nas cidades, as cidades também ficam inscritas e configuram os nossos corpos. Chamaremos de corpografia urbana este tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, que corresponde a diferentes memórias urbanas que se instauram no corpo como registro de experiências corporais da cidade, uma espécie de grafia da cidade vivida que fica inscrita, mas que, ao mesmo tempo, configura o corpo de quem a experimenta” (JACQUES; BRITTO, 2012)


Assim como o corpo fica inscrito na cidade, a cidade também fica inscrita no corpo, logo o modo de interpretar e experimentar o espaço urbano é relativo ao sujeito que o faz, a cidade recebe essa leitura e também marca quem a leu. É uma troca constante de experiências e momentos entre o corpo e o espaço, que enquanto ambos coexistem e se coabitam, a troca é viva. O que tento dizer é que a brincadeira é mais uma das inúmeras interpretações que nós, corpos podemos ter frente ao ambiente, especialmente os urbanos.

As crianças são muitas vezes errantes(JACQUES,2006), aqueles que buscam tudo que fuja da disciplina do urbanismo. Fazer muretas de barras de equilíbrio, sentar na sarjeta tomando um sorvete, se agarrando e pendurando nos portões do bairro, e usando a rua como seu campo pessoal de esportes. Não sabendo de todos os propósitos por trás dos projetos urbanos as crianças transgridem simplesmente por entenderem o contexto de seu ambiente e mesmo assim querem-no tornar lúdico.

O papel do adulto é mediar e oferecer as oportunidades de vivências nestes espaços improváveis mas principalmente observar essa perspectiva brincante da cidade através dos olhos infantis, já que as crianças também compõe um grupo específico que produz e reproduz questões sociais, repetem e ressignificam a cultura (CORSARO, 2011). O brincar é comunicação, expressão e movimento, além de ser um direito da criança é fundamental para seu desenvolvimento tanto cognitivo como ético, sendo esse cada vez maior de acordo com os desafios superados e oportunidades oferecidas. De acordo com o Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança:


As crianças que aprendem a brincar, controlando livremente as brincadeiras, sentem um prazer natural com isso e tendem a manter o interesse por essas atividades. Brincar permite que as crianças explorem o mundo e encontrem seu lugar nele. Ajudam a aprender, a vencer e a perder, uma vez que influenciam o autocontrole. Enquanto brincam, as crianças adquirem os conceitos de valores, limites e responsabilidades, recebendo informações sobre o que podem e o que não podem fazer” (IPA, 2013)


O mesmo artigo enfatiza a importância do tempo livre de descanso e lazer das crianças, e como estas devem usufruir de espaços culturais e experiências positivas. O conceito de corpografia entra aqui como mais um tópico a se refletir quando se fala do uso do corpo no espaço, através de um viés lúdico. A memória do espaço e do corpo depende diretamente da ação sobre o outro, a criança é ressignificada pelo espaço e o ressignifica também.

A corpografia é um processo, não linear e volátil, de reorganização contínua, logo se tratando do brincar no cenário urbano o agente deve estar sempre ativo e ressignificando os espaços, seja brincando na rua, ficando embaixo de mesas em restaurantes, fazendo caretas à quadros em museus, ou brincando de pega-pega no supermercado. A cidade pode ter seus propósitos sociais, mas nós cidadãos também temos nossas intenções, idéias e desejos.

Vale lembrar que a brincadeira não possui um objetivo específico se não o se divertir e desfrutar do processo, como descrevem Crislaine Pedroso, Jaqueline Barreto et al:

“O motivo que a conduz a determinada ação é, na verdade, o conteúdo do processo real da atividade. Como um exemplo disso, podemos citar uma criança construindo com pequenos blocos de madeira. O alvo da brincadeira não consiste em chegar a um resultado final como montar uma pequena cidade com todos os detalhes que a caracterizam como tal, e sim no próprio conteúdo da ação, no “fazer” da atividade.” (PEDROSO, BARRETO, et al).

A vida urbana é conturbada, acelerada, violenta e com valores muitas vezes distorcidos, mas nós como agentes do brincar, pedagogas, médicos, e principalmente cidadãos devemos saber filtrar momentos, lugares e experiências e propor para as crianças cada vez mais ocupações, ressignificações e ludicidades nos espaços da cidade.



Diferentes experiências urbanas podem ser inscritas em um mesmo corpo e diferentes corpos podem experimentar uma mesma situação urbana, mas as corpografias serão sempre únicas (como são as experiências), e suas configurações, sempre transitórias(...). Tais corpografias explicitam as micropráticas cotidianas do espaço vivido, as apropriações diversas que qualificam o espaço urbano, formulando, assim, ambiências.”(JACQUES, BRITTO, 2012)


Devemos garantir o direito do brincar à infância, e na cidade contemporânea qualquer espaço limpo e seguro é lugar de brincadeira, seja este seu propósito original ou não, a imaginação não tem barreiras, e as crianças constroem, destroem e reconstroem o quanto necessário quando se trata do brincar e se divertir. Os tempos são difíceis e a rotina muitas vezes nos prende, já que a cidade tem seus objetivos a cumprir, mas não podemos esquecer que temos que semear e observar uma perspectiva mais lúdica e leve frente à estes cenários, afinal, eles nos pertencem.


Referências


BRITTO, F. JACQUES, P. Corpo e Cidade: coimplicações em processo. Revista UFMG, Belo Horizonte, v.19, n.1 e 2, p.142-155, jan./dez. 2012.


JACQUES, P. Elogio aos Errantes. Bahia: EDUFBA; 2012.

Primeira Edição. Brasil.IPA (International Playing Association), Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança: o desenvolvimento infantil e o direito do brincar, São Paulo, abril de 2013.

Acessado em: 23 de junho de 2017.


MOREIRA, M; SOUZA, W. Corsaro WA. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed; 2011. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 20, n. 1, p. 299-300, Jan. 2015 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232015000100299&lng=en&nrm=iso>. Acessado em: 23 de Junho de 2017.


PEDROSO, C.; BARRETO, J, et al. O Papel do Brinquedo no Desenvolvimento Infantil. Faculdades Integradas do Vale do Ribeira – SCELISUL. Registro: São Paulo. 2012.

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