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TRAZENDO O LÚDICO PARA OS MUSEUS

- Cecília Neves Kappler -

Imagem: material expográfico desenvolvido por Pedro Federsoni e Silvana Calixto. (Foto Cecília Neves Kappler, 2019).



Muitas pessoas têm certo preconceito quando se trata de museus, inclusive as crianças. Ainda hoje, o que mais vemos são aqueles formatos tradicionais de museu, pouco interativos e inclusivos. Trazer aquela temática exposta para uma linguagem mais “palatável”, lúdica e universal pode ser um desafio, mas há alternativas de abordagem e mediação. Apesar de ser uma pessoa que adora frequentar todo e qualquer tipo de museu desde criança, não posso dizer que minha experiência com esses passeios se deu de forma inovadora.


Acredito que o fato de eu gostar de ir a exposições decorre do meu gosto pelas artes em geral e dos edifícios/espaços em que são expostas. Foi em 2019 que eu conheci uma nova maneira de se fazer museu, ao fazer o curso de Museologia e Museografia do Instituto Adolfo Lutz. Nesse curso, além de técnicas expositivas, nos foi apresentado o trabalho realizado pelos professores Pedro Federsoni e Silvana Calixto.


Esses dois biólogos trabalharam nos museus do Instituto Butantã e do Instituto Biológico e, hoje, atuam no Museu do Instituto Adolfo Lutz. Apresentando um acervo incrível de materiais expositivos que contribuíam para aproximar o público, principalmente crianças, daquele conteúdo técnico e científico.


Eles construíram modelos de feltro de parasitas, mosquitos feitos em papel marchê, células feitas de massinha entre outras soluções -, com peças didáticas, coloridas e, além disso, sensoriais. Baseando-se nos sentidos do tato (texturas) e da visão (cores) os museólogos puderam criar modelos explicativos que podiam ser “vistos” até por quem não pode enxergar e explorados de perto sem as limitações geralmente associadas aos museus. Aquele curso nos mostrou que é possível fazer museu brincando e possibilitando o brincar.


No texto “Educação não formal: museu e a linguagem não verbal”, Pedro Federsoni discorre da importância dessa forma alternativa de educação, em algo por ele chamado de “edutenimento” (educação + entretenimento). O educador não formal pode ser o pai ou a mãe respondendo perguntas dos filhos, seu irmão mais velho, seu amigo, o monitor do museu, todos podemos sê-lo.



Com muita observação do mundo ao nosso redor e das pessoas, se valendo de gestos e tendo “interesse em ensinar com muito entusiasmo”, é possível criar uma experiência museológica divertida, que através de brincadeiras, cores, texturas, sons e odores faça o visitante sair daquele local, que se propõe ensinar, com mais conhecimento do que entrou e fazendo mais relações com o mundo exterior.


Cristina Carvalho e Thamiris Lopes (2016) tomam a infância como fase de descobertas e formação da identidade pessoal e social do ser humano. Sendo os museus um local privilegiado de educação não formal, onde conteúdos podem ser apresentados de maneira dinâmica e interativa, ações que vão além da simples contemplação dos objetos devem ser incentivadas. Emoção e imaginação podem ser ferramentas nessa aproximação das crianças com as artes, já que “a brincadeira é uma das formas utilizadas pelas crianças para compreender o mundo e produzir cultura”.

Incentivando a mudança da mentalidade de que públicos infantis são ameaças à segurança do acervo.

Carvalho e Lopes falam da importância de buscar alternativas que, ao invés de reforçar as regras de comportamento (não tocar, não comer, não correr etc.), tornem a experiência da visita mais prazerosa. Propor oficinas, explorar áreas externas e levar em consideração o protagonismo e especificidade das crianças, torna possível ressignificar a experiência museológica.


O púbico infantil, que possui direito a frequentar esses espaços culturais, como qualquer cidadão. Além do olhar contemplativo, que é um importante exercício no momento das visitas, Carvalho e Lopes destacam que é possível agregar complementos como “o faz de conta, a imaginação, a contação de histórias e as brincadeiras”. Perguntar às crianças que nomes dariam àquele quadro, quanto tempo será que levou para aquela obra ser feita, se elas conseguem se imaginar dentro daquela cena, se conseguem imitar a pose de uma estátua, são questionamentos que podem ser feitos para dinamizar a contemplação de uma obra.





As ações do mediador devem levar em conta a tríade museu-criança-brincadeira. Considerando minhas experiências mais marcantes ao visitar museus na infância, gostaria de destacar dois espaços: Museu Imperial de Petrópolis (RJ) e Estação Ciência (SP). O primeiro pelo próprio edifício e acervo da família imperial, mas principalmente pela experiência de usar pantufas durante a visita, o segundo pelas experiências científicas que mostravam na prática brincante alguns conceitos da física e química. No caso do Museu Imperial, a obrigatoriedade de calçar pantufas para a visitação dizia respeito à proteção do piso de madeira do edifício (segurança do acervo), mas acabou se tornando a parte mais marcante daquela visita, pela aparência engraçada ao usar pantufas sobre os próprios sapatos e possibilidade de sair “patinando” pelo museu. Uma ação de proteção do acervo acabou se tornando brincadeira. A questão da escala também pode gerar experiências sensoriais.


Mirela Estelles (2015) descreve como o Jardim das Esculturas do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) instiga que o público, infantil ou adulto, explore as obras com seu próprio corpo. Ao se depararem com aquelas grandes esculturas, começam a “entrar, correr, andar, subir, encontrar, perder, girar, sair, tocar”. Ações muito diferentes das restrições de comportamento usualmente impostas nos espaços expositivos, e que acabam se mostrando muito divertidas para o público infantil que busca movimento, algo que vai ao encontro do que Carvalho e Lopes apontam ao comentar a importância do incentivo à interação e motricidade.


Segundo Flores (2007), através das vivências como essa é que a criança aumenta seu repertório e elabora seus “entendimentos sobre e museu e suas funções”, podendo ir além de ideias pré-concebidas e simplórias como entender museus como algo desinteressante.

O próprio Jardim das Esculturas nos faz inclusive repensar o conceito do que seria um museu, visto que as obras estão dispostas no Parque Ibirapuera. Considerando que o direito à cultura é “essencial ao homem em seu processo de humanização” (FLORES, 2007), e que “o brincar é uma parte vital e fundamental da experiência humana” (FLORES, HERRERO; 2018), podemos concluir que nada mais humano do que se brincar em um Museu, independente de idade.


Referência Bibliográfica

CARVALHO, Cristina; LOPES, Thamiris. O Público Infantil nos Museus. Educ. Real., Porto Alegre, v. 41, n. 3, p. 911-930, Set. 2016. Disponível em < http://dx.doi.org/10.1590/2175-623652329>. Acesso em 27 de maio de 2020.

ESTELLES, Mirela. Corporeidade: a criança e a obra de arte. In. Obras Mediadas. CHAIMOVICH, F (Org.), Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura e Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2015, p 65 - 75.

ESTELLES, Mirella. Corpoereidade: a criança e a obra de arte. In. Obras Mediadas. CHAIMOVICH, F (Org.), Ministério da Cultura, Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura e Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2015, p 65 - 75.

FLORES, Celia L. B. O que as crianças falam sobre o museu. Dissertação de mestrado em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007.

FLORES, Marilena; HERRERO, Dafne. O brincar nos faz iguais e naturais. Senado Federal, 2018. Disponível em <https://www12.senado.leg.br/institucional/programas/primeira-infancia/maisartigos/o-brincar-nos-faz-iguais-e-naturais-marilena-flores-e-dafne-herrero-2018>. Acesso em 29 de julho de 2020.

JUNIOR, Pedro Antonio Federsoni. Educação não formal. Museu e a linguagem não verbal. Biológico, São Paulo, v.65, n.1/2, p.105-107, jan./dez., 2003. Disponível em <http://www.biologico.agricultura.sp.gov.br /uploads/docs/bio/v65_1_2/federsoni.pdf>. Acesso em 27 de maio de 2020.


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